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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

COLUNA POLÍTICA | RAMAGEM DESADIA O STF | NA LUPA 🔎 | POR EDNEY SOUTO

HUGO MOTTA DESAFIA STF E AGRAVA CRISE INSTITUCIONAL AO PROTEGER RAMAGEM
A FUGA, O ATAQUE À JUSTIÇA E O RISCO DIPLOMÁTICO QUE ENVOLVE SEGREDOS DO ESTADO BRASILEIRO

A INSUBORDINAÇÃO DE HUGO MOTTA E O CHOQUE ENTRE PODERES

A decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de “consultar o departamento jurídico” antes de cumprir a determinação do Supremo Tribunal Federal que cassou o mandato de Alexandre Ramagem, não é apenas um ato de protelação. O gesto tem potencial para se tornar a mais recente fagulha em um cenário já inflamado por tensões entre os Poderes. A declaração pública do deputado, feita no mesmo dia em que o STF confirmou a perda do mandato, representa um desafio frontal à autoridade da Corte e coloca o Legislativo no centro de um debate que transcende a política partidária: o respeito ao ordenamento constitucional.

Motta optou por desacelerar o cumprimento de uma ordem judicial definitiva enquanto Ramagem, já condenado, ataca as instituições desde os Estados Unidos. A hesitação do presidente da Câmara ressoa como uma tentativa de blindagem política em um momento em que a Justiça tenta dar resposta firme ao golpismo.

O SIGNIFICADO DA CONDENAÇÃO E O CONTRASTE COM O EXTERIOR

A prisão de Jair Bolsonaro e de seus principais aliados envolvidos no plano golpista de 2022 foi um divisor histórico. Pela primeira vez, militares e agentes do Estado envolvidos em ações para subverter a democracia foram responsabilizados. O Brasil rompeu com uma tradição secular de impunidade às Forças Armadas e consolidou um marco que contrasta com experiências internacionais — especialmente a dos Estados Unidos, onde Donald Trump foi absolvido politicamente e retornou ao poder para um segundo mandato ainda mais autoritário.

Enquanto a democracia americana convive hoje com um presidente que reabilitou um movimento radical e hostil às instituições, a brasileira tornou inelegível e prendeu seu próprio líder golpista. A diferença revela a maturidade adquirida no Brasil após décadas de crises, mas também expõe a persistência do risco: o golpismo não foi derrotado integralmente, apenas contido.

A fuga de Ramagem, às vésperas de ser sentenciado a 16 anos de prisão, mostrou isso com clareza.

A FUGA DE RAMAGEM: UM GOLPE NA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES

A evasão de Alexandre Ramagem não foi apenas uma derrota operacional para a Polícia Federal; foi um abalo simbólico. O ex-diretor da Abin, com passaporte cancelado, conseguiu deixar o país sem qualquer impedimento — uma manobra que coloca a corporação sob escrutínio e expõe falhas graves na vigilância de réus de alta periculosidade institucional.

Dos Estados Unidos, Ramagem passou a atacar o ministro Alexandre de Moraes, chamando-o de “violador de direitos humanos” e “tirano”, enquanto reivindica estar “sob anuência” do governo Donald Trump. O discurso, além de zombar do sistema judicial brasileiro, alimenta a ofensiva internacional de difamação conduzida há anos por Eduardo Bolsonaro e grupos alinhados ao trumpismo.

O PASSADO NA ABIN E A AMEAÇA QUE AGORA SE DESLOCA PARA O EXTERIOR

Ramagem não é um réu comum. A estrutura que comandou dentro da Agência Brasileira de Inteligência foi aparelhada para servir aos interesses pessoais e políticos de Jair Bolsonaro. De acordo com a PF, a Abin foi transformada em um centro clandestino de espionagem ideológica.

O software israelense FirstMile, ferramenta de monitoramento sigilosa, foi acionado mais de 30 mil vezes para perseguir cerca de 2 mil pessoas consideradas “inimigas” do bolsonarismo. Jornalistas, ministros do STF, delegados, procuradores, militantes, políticos de oposição e até aliados foram monitorados. O aparato estatal funcionou como extensão de um projeto autoritário.

O delegado que investigava o caso Marielle Franco e procuradores que atuaram contra Bolsonaro constaram entre os alvos. Nada era limite para a máquina de vigilância comandada por Ramagem.

E o mais grave: ao deixar a Abin, em 2022, ele levou consigo um notebook e um celular oficiais — equipamentos com acessos, registros e conteúdos que jamais deveriam sair das mãos do Estado.

SEGREDOS DE ESTADO NAS MÃOS DE UM FORAGIDO

A fuga de Ramagem reacendeu um temor interno: ele é o condenado que mais representa risco. Um servidor da própria Abin, ouvido pelo ICL Notícias, afirmou que o ex-diretor teve contato com documentos altamente restritos, informações sensíveis sobre soberania nacional e detalhes de operações estratégicas.

Agora, com a proteção política do governo Trump, Ramagem pode transformar esses segredos em moeda de negociação. Seu histórico mostra que ele nunca teve freios éticos. No Brasil, usou dados sigilosos para atacar urnas eletrônicas e alimentar narrativas conspiratórias. Nos Estados Unidos, pode usá-los para reforçar a agenda de Donald Trump e fortalecer redes internacionais de extrema direita.

O problema, portanto, não é apenas jurídico. É diplomático. É estratégico. É institucional.

UM RISCO QUE ULTRAPASSA O CASO INDIVIDUAL

A presença de Ramagem em solo americano, atacando o Judiciário brasileiro e pedindo extradição de um ministro do STF — algo inconcebível no plano diplomático — mostra como o bolsonarismo busca reconstruir, fora do país, uma plataforma política que perdeu espaço no interior das instituições brasileiras.

Hugo Motta, ao desafiar o STF, insere o Poder Legislativo nesse ambiente tóxico. A demora em cumprir uma decisão judicial reforça a sensação de que parte da elite política ainda hesita em romper definitivamente com práticas autoritárias.

O JOGO AINDA NÃO ACABOU

O caso Ramagem evidencia que, embora o Brasil tenha avançado na responsabilização dos golpistas, a ameaça não desapareceu. Ela apenas mudou de forma — e de território.
O desafio de proteger a democracia, agora, envolve não apenas conter atores internos, mas também impedir que agentes foragidos e com acesso a segredos de Estado se tornem instrumentos de governos estrangeiros que guardam afinidade ideológica com o bolsonarismo.

Enquanto isso, decisões como a de Hugo Motta acendem sinais de alerta: a democracia brasileira continua sendo testada. E qualquer recuo institucional — mesmo de aparência burocrática — pode abrir espaço para uma nova ofensiva daqueles que nunca aceitaram o resultado das urnas.

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