quarta-feira, 18 de junho de 2025

ARTIGO JURÍDICO - O MARCO CIVIL DA INTERNET PRECISA SER ATUALIZADO

O Marco Civil da Internet Precisa Ser Atualizado: Uma Década Depois, Novos Desafios Exigem Revisão Legal
Por: Geovani Oliveira 

Há 11 anos, o Brasil dava um passo fundamental ao sancionar a Lei nº 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet (MCI). Reconhecido mundialmente como uma legislação pioneira, o MCI estabeleceu direitos, garantias e deveres para usuários, provedores e o Estado no ambiente digital. Foi essencial para organizar juridicamente a internet no país, oferecendo pilares como a neutralidade da rede, a proteção da privacidade, a liberdade de expressão e a preservação dos registros. Entretanto, na atualidade é inevitável reconhecer: o Marco Civil da Internet precisa ser atualizado.

Vivemos um novo cenário. A transformação digital acelerada, a onipresença das redes sociais e a ascensão exponencial da Inteligência Artificial (IA) impõem novos riscos e responsabilidades que não estavam plenamente mapeados há uma década. A IA, com sua capacidade de gerar e espalhar conteúdo em larga escala, levanta questões éticas, jurídicas e sociais sobre manipulação de informação, privacidade e segurança.

Apesar da criação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que trouxe um importante arcabouço normativo sobre o tratamento de dados pessoais, a LGPD e o MCI que estabelece os princípios e direitos fundamentais na internet, devem caminhar em harmonia, complementando-se. Mas hoje, percebe-se um descompasso, enquanto a LGPD regula com precisão o uso e tratamento de dados, o MCI permanece omisso ou insuficiente diante das novas dinâmicas tecnológicas e de poder das plataformas digitais. 

No entanto, nota-se o problema do Art. 19 do MCI no que trata da responsabilização das plataformas digitais. Um ponto nevrálgico da discussão está no Art. 19 do MCI, que isenta as plataformas de responsabilidade por conteúdo de terceiros, salvo se houver ordem judicial de remoção, e se após a ordem da justiça,  não houver a retirada do conteúdo objeto da demanda. Na prática, essa previsão legal tem sido interpretada como uma blindagem para as big techs, que são as grandes empresas de tecnologia que dominam o mercado global, exercendo forte influência na economia, cultura e sociedade. Exemplos incluem a Alphabet (Google), Meta (Facebook), Amazon, Apple e Microsoft. Há uma blindagem que vem dificultando a responsabilização efetiva, mesmo diante de conteúdos notoriamente ilícitos, como discurso de ódio, fake news e práticas criminosas.

Esse dispositivo tem sido objeto de intensos debates no Supremo Tribunal Federal (STF), mas até o momento não há uma decisão definitiva sobre o regime jurídico aplicável. A ausência de resposta gera insegurança jurídica, impacta diretamente os usuários e estimula a impunidade digital. Defendo que o Art. 19 precisa ser reformulado com urgência, pelo Poder Legislativo, para que se estabeleça um regime de responsabilidade mais equilibrado, condizente com os princípios constitucionais especialmente os da dignidade da pessoa humana e da proteção à honra, imagem e privacidade. No STF (Supremo Tribunal Federal) discute-se o tema 987 da repercussão geral sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que trata da responsabilização de provedores de internet por conteúdo ilícito publicado por terceiros. O julgamento ocorre no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) 1.037.396, relatado pelo ministro Dias Toffoli. Recentemente os ministros do STF estão votando a favor da responsabilização objetiva das redes em face de conteúdos. O Supremo formou maioria pela definição de as que redes sociais devem ser responsabilizadas pelo conteúdo postado por usuários. 


A Transparência algorítmica e a responsabilidade digital é outro ponto que exige revisão, sobretudo quando se trata do papel dos algoritmos. As plataformas digitais operam por meio de sistemas opacos, que interferem diretamente na vida das pessoas ao filtrar, ranquear e amplificar conteúdos. A ausência de transparência algorítmica mina a confiança da sociedade e compromete a democracia, pois essas decisões, automatizadas e invisíveis, moldam opiniões, comportamentos e até podem interferir em resultados  eleitorais.

Portanto, é imprescindível que o MCI (Marco Civil da Internet), Lei nº 12.965/2014, passe a exigir boas práticas algorítmicas, incluindo a transparência dos critérios de recomendação, auditorias independentes e mecanismos de contestação por parte dos usuários. Trata-se de temas urgentes de pacificação em virtude do avanço da tecnologia digital em tempos de Inteligência Artificial.  
Preservar avanços, evitar retrocessos deve ser o ponto de partida de uma atualização do MCI, por parte do legislador. 

O meio digital não espera. Avança com velocidade, com rupturas tecnológicas que transformam a sociedade quase diariamente. Nesse contexto, as plataformas precisam ser observadas, reguladas e responsabilizadas com objetividade. A atualização do Marco Civil é uma necessidade urgente, não apenas para proteger direitos individuais, mas para garantir ordem jurídica, confiança social e ética digital. Que  finalmente, possamos ver uma reforma  responsável, moderna e constitucionalmente alinhada, capaz de tornar o Brasil novamente referência mundial em regulação da internet — agora, diante dos desafios da nova era digital.

*Advogado especialista em Direito Constitucional*

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