Uma decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de redefinir de maneira profunda a dinâmica entre os Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) e as Câmaras Municipais, estabelecendo um novo marco para o controle das finanças públicas municipais. Ao concluir o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 982, a Corte reconheceu que cabe exclusivamente aos TCEs o julgamento técnico das contas dos prefeitos quando estes atuam como ordenadores de despesas, afastando de vez a possibilidade de as Câmaras Municipais revisarem ou anularem essas decisões.
Na prática, isso significa que prefeitos que tiverem suas contas reprovadas pelos Tribunais de Contas estaduais não poderão mais recorrer à articulação política com vereadores para reverter o parecer negativo. A decisão reforça o caráter técnico e imparcial da atuação dos TCEs, retirando das Câmaras a prerrogativa de aprovar ou rejeitar contas que já foram julgadas por órgãos especializados. Com isso, a influência política nas votações de contas públicas é sensivelmente reduzida, fortalecendo a fiscalização exercida pelos órgãos de controle externo.
Antes da decisão do STF, era comum que prefeitos, mesmo com pareceres desfavoráveis dos Tribunais de Contas, buscassem apoio político em suas bases legislativas para conseguir a aprovação simbólica das contas pela maioria simples dos vereadores, o que frequentemente evitava sanções e mantinha a elegibilidade. A partir de agora, esse tipo de manobra perde a eficácia. O julgamento do STF torna vinculativa a análise técnica dos TCEs, impondo uma nova leitura constitucional sobre os limites das atribuições das Câmaras de Vereadores nesse tipo de caso.
Os ministros do Supremo foram unânimes ao entender que, quando o prefeito atua diretamente na ordenação das despesas – ou seja, na prática da gestão financeira do município –, ele responde pessoalmente por esses atos perante os Tribunais de Contas. Nessas situações, não se trata mais de um parecer prévio, mas de um julgamento com força definitiva. Assim, a Corte afastou qualquer margem de interpretação que permitisse o Legislativo municipal sobrepor-se à análise técnica realizada pelos tribunais.
A decisão do STF se baseia na necessidade de preservar o princípio republicano, a moralidade administrativa e a separação entre as esferas técnica e política do controle dos recursos públicos. A Corte considerou que os pareceres dos TCEs, nessas situações específicas, não são mais opinativos, e sim decisões terminativas. Isso representa uma mudança estrutural na forma como se conduz o julgamento das contas públicas no país e pode impactar diretamente o futuro político de muitos gestores municipais.
Ao dar essa interpretação, o Supremo reafirma o papel dos Tribunais de Contas como instituições centrais no combate à má gestão e ao uso irregular de recursos públicos. Prefeitos que tiverem suas contas reprovadas por irregularidades graves, como fraudes, desvio de verba ou ausência de prestação de contas, estarão automaticamente sujeitos às penalidades legais, inclusive a inelegibilidade, conforme determina a Lei da Ficha Limpa. Sem a chancela política dos vereadores, o alcance da responsabilização tende a ser mais direto e eficiente.
A decisão tem repercussão nacional e poderá ter efeito retroativo sobre processos em andamento que envolvam julgamento de contas de ordenadores de despesa por Câmaras Municipais. Tribunais de Contas já se preparam para adaptar seus procedimentos à nova jurisprudência, e a expectativa é de que o entendimento sirva de referência para reforçar a autonomia técnica e fiscalizadora dos órgãos de controle em todas as unidades da federação.
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