A decisão partiu do Poder Executivo, em movimento antecipado às propostas já em tramitação na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Além de diminuir as alíquotas, o decreto ampliou o alcance social dos benefícios: mototaxistas e veículos elétricos passaram a ser isentos, enquanto pessoas com deficiência foram contempladas com um processo desburocratizado — a concessão e renovação agora ocorrem automaticamente, desde que atendidas as exigências legais. O pacote também estendeu o parcelamento do imposto de três para até dez vezes e manteve o desconto de 7% para pagamento em cota única. Mais que um gesto econômico, uma estratégia de permanência e circulação de riqueza no próprio território: incentivar a compra e o emplacamento no Estado, fortalecendo setores locais e atraindo receita para comércio e serviços.
Entretanto, o avanço, celebrado por grande parte dos contribuintes, colide com outra preocupação de alcance municipal. Em paralelo às decisões já implementadas pelo Executivo, seguem em discussão na Alepe projetos que pretendem ampliar a lista de isentos: motoristas de aplicativo, motocicletas de até 170 cilindradas e automóveis com mais de 15 anos de fabricação. Uma ampliação que, somada ao já concedido, pode custar caro ao pulmão fiscal. Estimativas projetam perda de R$ 500 milhões — cerca de 25% de todo o montante previsto com o IPVA em 2026, estimado em R$ 2 bilhões.
É nesse ponto que a tranquilidade do contribuinte encontra a inquietação dos gestores municipais. Pela Constituição, 50% de toda arrecadação do IPVA pertence aos municípios onde os veículos são licenciados. Só em outubro, pouco mais de R$ 41 milhões foram distribuídos às cidades pernambucanas, sendo o Recife o maior beneficiado, com cerca de R$ 14 milhões. Valor decisivo para saúde, educação, mobilidade e para a engrenagem cotidiana que move servidores e serviços públicos.
Na audiência pública de 5 de novembro, conduzida na Comissão de Finanças da Alepe, o presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), Marcelo Gouveia, deu voz ao ponto nevrálgico da discussão: o equilíbrio fiscal. Sem negar a importância do incentivo ao trabalhador, Gouveia enfatizou o risco de um descompasso entre renúncia e compensação. “A Amupe não é contra benefícios aos trabalhadores, mas é preciso que venham acompanhados de medidas compensatórias. Quando se reduz a arrecadação dos municípios, faltam recursos para áreas que atendem justamente esses trabalhadores. Os municípios vêm sendo sufocados com cada vez mais novas atribuições e cada vez menos recursos”, alertou.
O IPVA, que costuma ocupar o imaginário coletivo apenas no início do ano, agora vira centro de debate político e econômico. A redução das alíquotas envolve muito mais que o alívio financeiro imediato: trata-se de repensar o modelo de tributação, as contrapartidas e a capacidade real dos municípios de honrar compromissos essenciais diante de um cenário de cortes sucessivos.
As ruas recebem a notícia como desafogo, mas no plenário, o tom é de cautela. O desafio que desponta à frente do Executivo e do Legislativo é combinar justiça tributária com responsabilidade fiscal, sem sufocar a máquina que garante, nos municípios, aquilo que torna o Estado vivo: políticas públicas, atendimento diário, serviços básicos e a engrenagem invisível que sustenta a rotina coletiva.
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