De acordo com o MPF, participação da Odebrecht na construção em São Lourenço da Mata foi condicionada à vitória da Andrade Gutierrez na licitação de Brasília
Outra operação deflagrada pela PF já havia apontado suspeitas em pagamentos feitos a políticos por conta da Arena Pernambuco
Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
O esquema de superfaturamento e pagamento de propina para a reconstrução do antigo estádio Mané Garrincha, em Brasília, foi o fio condutor para o desenrolar de esquema semelhante na Arena Pernambuco, em São Lourenço da Mata. Segundo informações do Ministério Público Federal (MPF), o depoimento de ex-diretores de empreiteiras em delação premiada confirma que a obra em Pernambuco foi concedida como "um favor" à Odebrecht por ter facilitado a "vitória" da Andrade Gutierrez na licitação em Brasília. O governador Paulo Câmara, o prefeito Geraldo Julio e o deputado Tadeu Alencar, todos do PSB, participaram do Comitê Gestor para construção da arena pernambucana, mas, em outra ocasião, já negaram o envolvimento em qualquer ato ilícito.
A informação do MPF é fruto da delação premiada firmada entre três diretores da Gutierrez e a Procuradoria-Geral da República (PGR). A versão apresentada foi confirmada por executivos da Odebrecht que também fecharam acordo de delação premiada e foram peças fundamentais para a deflagração da Operação Panatenaico, nesta terça-feira (23). Na ocasião, foram presos um assessor de Michel Temer e dois ex-governadores do Distrito Federal. A reconstrução do Mané Garrincha foi estimada inicialmente em R$ 690 milhões, mas acabou custando cerca de R$ 1,5 bilhão, o que fez que o estádio se tornasse o mais caro entre os 12 utilizados na Copa do Mundo de 2014.
A Odebrecht teria oferecido um valor maior para a reconstrução do estádio de Brasília, num acordo já firmado com a Andrade Gutierrez, que venceria a licitação apresentando um valor menor. A "perda da Odebrecht" foi então recompensada com a construção da Arena Pernambuco.
Outra operação deflagrada em 2015 pela Polícia Federal, a Fair Play, já havia apontado suspeitas em pagamentos feitos a políticos como Paulo Câmara, Geraldo Julio, Fernando Bezerra Coelho e Tadeu Alencar, todos do PSB, via doações oficiais da Odebrecht e da empresa Projetec, responsável pela auditoria da execução do contrato da Arena. No caso de Paulo Câmara, ele teria recebido R$ 200 mil da Odebrecht para sua campanha a governador em 2014. Fernando Bezerra teria recebido R$ 50 mil da Odebrecht e R$ 50 mil da Projetec. Tadeu Alencar, R$ 30 mil de cada uma.
Dentre as hipóteses consideradas na investigação estavam a restrição à competitividade da licitação, o pagamento de propina via doações oficiais e até eventuais crimes contra o sistema financeiro relacionados ao financiamento do BNDES. Há suspeitas de superfaturamento de ao menos R$ 42 milhões nas obras da Arena de Pernambuco, baseado em perícia encomendada pela PF, e do favorecimento à Odebrecht pelo comitê gestor.
Esquema nas arenas
O MPF confirmou que três diretores da Andrade Gutierrez afirmaram que, desde 2008, já estava acertado o repasse de 1% do valor total da obra em Brasília para os agentes políticos. Os pagamentos foram viabilizados por meio de doações de campanha – formais e por meio de caixa 2, além da simulação de contratos de prestação de serviços. Pessoas ligadas aos agentes políticos eram os responsáveis por fazer as cobranças junto às empreiteiras e também por operacionalizar os repasses dos valores. Os relatos revelaram dezenas de pagamentos de propina que, em valores preliminares, somam mais de R$ 15 milhões.
A suspeita é de que o mesmo modos operandi fosse replicado nos demais estádios. No caso de Pernambuco, o MPF não confirmou o pagamento de agentes políticos. Em novembro do ano passado, conforme informações publicadas neste Jornal do Commercio, o governador de Pernambuco, o prefeito do Recife e o deputado Tadeu Alencar passaram a ser alvos de um inquérito sob sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF) por conta de irregularidades na Arena Pernambuco. À época, todos negaram envolvimento.
Nota do Governo de Pernambuco
Pouco depois da publicação desta matéria, a assessoria do Governo de Pernambuco entrou em contato com o JC para enviar uma nota de esclarecimento. Leia abaixo:
"O Governo de Pernambuco não participa e nem participou de nenhuma formação de cartel entre empreiteiras para a Copa de 2014. Se existiu qualquer tipo de cartel, as investigações vão mostrar que partiu das empresas. Assim, não há nenhuma razão para relacionar a Arena de Pernambuco com as denúncias de superfaturamento do Estádio Nacional Mané Garrincha.
Também não existe nenhuma justificativa para a reiterada tentativa de vincular os nomes do governador Paulo Câmara, do prefeito Geraldo Julio e do deputado federal Tadeu Alencar a qualquer insinuação de irregularidade. Isso se caracteriza como leviandade diante de todas as explicações que já foram dadas.
A licitação para a construção da Arena, ocorrida em 2009, observou todos os requisitos, prazos e exigências da Lei de Concessões e da Lei das Parcerias Público-Privadas, que preveem a possibilidade de o autor do projeto participar da licitação, não decorrendo desse fato qualquer irregularidade, fraude ou frustração do caráter competitivo da disputa.
A Arena Pernambuco foi entregue em junho de 2013 e custou R$ 479.000.000,00 (base maio de 2009), tendo apenas 75% da sua construção sido financiada pelo BNDES e sendo a mais barata entre as arenas construídas no Brasil, levando em conta a capacidade instalada. O restante do valor do contrato deveria ser pago durante a exploração do Estádio (contraprestação para a operação da Arena);
Não houve superfaturamento. O percentual do terreno da Cidade da Copa foi validado pela Fundação Getúlio Vargas, não tendo sido questionado pelo Tribunal de Contas da União e do Estado. O terreno não foi entregue à Concessionária, continuando no patrimônio do Estado de Pernambuco;
Considerando que as receitas estimadas não se confirmaram, o contrato de concessão foi rescindido, tendo os parâmetros utilizados na rescisão sido aprovados pelo Tribunal de Contas do Estado, por meio de formalização de Termo de Ajuste de Gestão (TAG).
Importante destacar que o contrato de concessão foi aprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), na decisão de número 0101011/2011, tendo sido igualmente analisado, sem objeções, pelo Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e BNDES.
A gestão do governador Paulo Câmara vem adotando todas as providências para que esse patrimônio de Pernambuco seja utilizado de maneira sustentável e contribua para o crescimento do nosso Estado. O rompimento do contrato com a Odebrecht foi feito de maneira vantajosa para o poder público e juridicamente segura, o que permitiu seu uso intensivo e de grande participação popular.
Governo do Estado de Pernambuco"