Ministério da Saúde não criou um protocolo para liberar o medicamento para o tratamento da covid-19
Mateus Vargas

Para isso, seria necessária a aprovação de um Protocolo Clínico de Diretriz Terapêutica (PCDT), medida que passa por um rito próprio e, muitas vezes lento no governo. Um dos pilares para elaborar o protocolo é a comprovação científica da eficácia da droga - o que não existe. O órgão responsável por avaliar se um produto será usado na rede pública é a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), colegiado formado por representantes da indústria e diversos setores.
"O protocolo precisa ser algo cartorial, com obrigação de cumpra-se. O que estamos fazendo é orientação, a partir da liberação do Conselho Federal de Medicina (CFM) de que médicos brasileiros possam ter livre arbítrio. Queremos garantir que o tratamento de tantos brasileiros não seja retardado", afirmou a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação, Mayra Pinheiro.
Para gestores do SUS, ao divulgar apenas uma orientação de uso do produto, o ministério contornou a dificuldade de criar um protocolo do SUS sobre um medicamento sem benefício comprovado contra a covid-19 - e ainda agradou ao presidente e à sua militância.
O uso em larga escala da cloroquina para combater o coronavírus se tornou uma das principais bandeiras de Bolsonaro durante a pandemia, mesmo sem qualquer respaldo da comunidade científica sobre a eficácia da droga. Nas redes sociais, aliados do governo destacaram a "coragem" de Bolsonaro em "liberar" a droga.
Médicos já vinham receitando a cloroquina nas redes privada e pública de forma "off label", ou seja, fora das recomendações da bula. Para dar respaldo a esta situação, mas sem seguir recomendações científicas, o CFM decidiu, no fim de abril, livrar de infração ética o profissional que prescrever a cloroquina contra a covid-19.
Para o advogado sanitarista Tiago Farina Matos, a orientação do ministério é "frágil", pois não passou pelo rito correto. "Não seguindo este caminho, você tem uma deliberação com vício de origem e falta de credibilidade. O fluxo de análise na Conitec poderia ser acelerado, mas não há justificativa para não usar este processo", disse.
Especialistas e gestores do SUS ouvidos pela reportagem temem que pacientes passem a exigir a prescrição após a orientação da pasta. Secretários estaduais alertam para a possibilidade de o presidente usar a droga como justificativa para reduzir o distanciamento social.
O secretário de Saúde do Maranhão, Carlos Lula, disse que o documento divulgado nesta quarta-feira pela pasta não muda a rotina no Estado. "O PCDT seria mais forte. A gente passa a ter consequência, inclusive, civil. Pode haver obrigação de se adequar", disse.