A votação é vista como um gesto direto ao ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado na semana passada pelo Supremo Tribunal Federal, e abre a disputa sobre os rumos da proposta: se haverá perdão amplo, incluindo o ex-presidente, ou apenas redução de penas. O presidente da Câmara, Hugo Motta, correligionário de Tarcísio de Freitas no Republicanos, foi pressionado após a ida do governador de São Paulo a Brasília para articular com lideranças e autoridades a análise da anistia. O centrão sonha em projetar Tarcísio como adversário de Lula em 2026 e busca com esse movimento garantir o apoio político do bolsonarismo.
A aprovação da urgência não significa que o texto esteja pronto para votação final. A partir de agora, será escolhido um relator que poderá modificar toda a redação do projeto. Nos bastidores, líderes do centrão defendem uma saída intermediária: reduzir as penas aplicadas pelo STF aos condenados, inclusive a Bolsonaro, sem promover um perdão amplo e irrestrito. Já a ala mais radical da oposição insiste em uma anistia geral que elimine condenações e limpe a ficha dos envolvidos.
Hugo Motta discursou após a votação pedindo “paz e pacificação nacional”, afirmando que caberia ao plenário decidir sobre os diferentes interesses e visões em jogo. O deputado destacou que sua função não é impor uma verdade, mas permitir que todas sejam ouvidas. A fala foi seguida por manifestações antagônicas no plenário: parlamentares de esquerda entoaram gritos de “sem anistia”, enquanto bolsonaristas comemoraram chamando o momento de histórico.
O líder do PT, Lindbergh Farias, disse que a aprovação da urgência compromete a biografia dos que apoiaram a medida, acusando-os de conivência com um “golpe de Estado continuado”. Ele lembrou que os mesmos grupos que tumultuaram o funcionamento da Câmara após a prisão domiciliar de Bolsonaro agora celebravam o resultado. Em contraponto, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante, agradeceu a postura equilibrada de Motta e voltou a criticar o que chamou de julgamento político e perseguição a opositores.
Segundo pesquisa Datafolha realizada em 8 e 9 de setembro, 54% da população rejeita a anistia a Bolsonaro, contra 39% que defendem. O dado reforça a polarização que se repete no Congresso e que promete dominar o debate nos próximos dias. O governo Lula, que tentou evitar a votação, estuda medidas de retaliação, inclusive a revisão de cargos ocupados por aliados que apoiaram o avanço da pauta.
O projeto de Crivella prevê anistiar desde 30 de outubro de 2022, até a publicação da lei, todos que participaram ou apoiaram manifestações políticas e eleitorais, incluindo doações, apoio logístico e publicações em redes sociais. Líderes do PL querem aproveitar essa brecha para incluir Bolsonaro. O centrão, no entanto, considera que uma proposta mais restrita tem maior chance de passar no Senado e resistir a eventuais vetos do presidente Lula, além de reduzir a tensão com o Supremo.
Nos bastidores, a alternativa mais viável seria a redução das penas. A proposta em discussão diminuiria de quatro a oito anos para dois a seis anos a punição pelo crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito. Já o crime de golpe de Estado passaria de quatro a doze anos para dois a oito anos, sem acumular penas. O objetivo seria evitar que Bolsonaro fosse para o presídio da Papuda e permanecesse em prisão domiciliar devido à idade e aos problemas de saúde.
Com a aprovação da urgência, o país entra em uma nova etapa da disputa política em torno dos acontecimentos de 8 de janeiro. O futuro da anistia ou da redução das penas agora está nas mãos do plenário da Câmara e depende da costura entre centrão, oposição e governo.
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