Uma crônica sobre o encontro entre os artistas pernambucanos, falecidos este ano e vítimas de câncer de pulmão
Ilustração: Vladimir Barros
Reginaldo Rossi não tirou os
óculos escuros nem mesmo pra entrar no céu. Chegou lá em cima cheio de
marra, os cabelos crespos confundindo-se com as nuvens, e logo procurou a
ala de Pernambuco.
Pediu uma cerveja gelada ao garçom -
porque céu que se preze tem que ter cerveja gelada - e disse que hoje,
só hoje, não encheria o saco pra falar das centenas de casos de amor que
seu confidente oficial já cansou de escutar. Aí notou um amontoado de
gente chumbregando mais adiante. Parecia carnaval. Foi lá.
Naquele céu não havia silêncio nem
harpa, querubim nem serafim. No céu pernambucano é sinfonia de sanfona
e, se Deus achar ruim, é capaz de haver movimento emancipacionista pra
fundar uma república independente.
E lá estava Dominguinhos comandando a
farra. Vitimados por um câncer de pulmão, eternizados pela música,
levados embora por um 2013 que deixou a terra mais sem graça e o céu
mais animado.
“Saudade, meu remédio é cantar”, disse
Dominguinhos, ao avistar Rossi. “Mon amour, meu bem, ma femme!”, gritou
Rei do Brega, a camisa aberta até o peito, se dirigindo ao conterrâneo.
“Hoje é o dia do corno, foi bom te encontrar”, continuou Reginaldo
Rossi, finado e afiado. Arlindo dos 8 Baixos, Carlos Fernando e João
Silva não se contiveram. A gargalhada foi geral. “Esse bicho é fogo. Já
chega arriando”, disseram.
Foi o encontro do brega com o forró, de
dois Pernambucos que são só um, de duas escolas musicais que nasceram do
povo e para o povo. Um abraço selou o encontro entre os dois.
A multidão anônima logo entoou: “Olha,
isso aqui tá muito bom, isso aqui tá bom demais”. E, no céu do Recife,
“o paraíso tropical” cantado por Reginaldo Rossi, a festa não tem hora
pra acabar.
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