Foto: José Cruz/ABr
Águia de duas cabeças
Editorial da Folha de S. Paulo.
No
início do século 20, uma estranha entidade política sustentava-se, com
dificuldade, no quadro das potências internacionais. Unido sob a figura
tutelar de Francisco José 1º (1830-1916), o Império Austro-Húngaro
reunia uma boa dezena de nacionalidades distintas, mal ou bem
representadas em dois Parlamentos diferentes.
Havia
o Parlamento húngaro, com um primeiro-ministro, onde regras eleitorais
restritivas garantiam sua unidade étnica. Mas havia também a Casa
legislativa austríaca, com outro chefe de governo, que se mostrava mais
permeável à participação de minorias nacionais e reunia, ao lado dos
falantes de língua alemã, representantes eslovacos, croatas, rutenos
etc.
Os debates se faziam com cada
qual falando o próprio idioma, sem intérpretes. Nada mais automático,
por certo, do que comparar o Parlamento austríaco com a lendária Torre
de Babel.
Muito longe das
formalidades e faustos da “belle époque”, a aliança entre o PSB de
Eduardo Campos e a Rede de Marina Silva tem se assemelhado àquela “águia
de duas cabeças” que simbolizava o Império Austro-Húngaro.
Se
o governador de Pernambuco parece exercer sobre seus correligionários a
influência que é de praxe nas candidaturas de quem dispõe de cargo,
poder instituído e nobre linhagem na oligarquia política, o mundo de
Marina se aproxima do célebre Parlamento austríaco, com “sonháticos”,
“pragmáticos”, evangélicos, povos da floresta e economistas de alta
extração.
As duas cabeças dessa
improvável águia tropical têm-se chocado bastante desde o anúncio da
união, há menos de quatro meses. Com seus motivos, a Rede quer que a
chapa Campos-Marina tenha candidatos próprios nas eleições estaduais.
Não sem razões de sua parte, o PSB resiste. As divergências ocorrem em
quase metade do país.
Em Minas
Gerais, por exemplo, o partido de Campos tem como principal nome Márcio
Lacerda, prefeito de Belo Horizonte e aliado de Aécio Neves (PSDB).
Fortes bicadas se trocam nas montanhas mineiras. Representantes locais
da Rede rejeitam a aproximação dos tucanos; pressionada pelo PSB, Marina
desautoriza a afronta.
O mal-estar
se repete no Paraná, onde também um tucano, Beto Richa, é apoiado pelo
PSB. Em São Paulo, prossegue o dilema, que ameaça ter desfecho inverso.
Força-se o rompimento do PSB com o governador Geraldo Alckmin (PSDB), de
modo a prevalecer uma candidatura própria no maior colégio eleitoral do
país.
É provável que todos se
entendam. Quanto ao eleitor, de novo confrontado com candidaturas
furta-cor, siglas ornamentais e carrosséis ideológicos, pode imaginar-se
numa Viena de opereta, ao som de uma valsa em que Marina e Eduardo
demoram a acertar o passo.
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