terça-feira, 16 de julho de 2024

Na Lupa, Terça, 16/07/2024, Blog do Edney

NA LUPA 🔎 
BLOG DO EDNEY 

Por Edney Souto

DEVASTAÇÃO DA CAATINGA DO ARARIPE PELO POLO GESSEIRO 
No Sertão do Araripe, Pernambuco, a produção de gesso é uma atividade econômica vital. A região é responsável por 97% da gipsita do Brasil, possuindo a quarta maior reserva mundial desse mineral. Segundo dados de 2014, o polo gesseiro inclui 40 minas de gipsita, 170 indústrias de calcinação e 750 indústrias de peças de gesso pré-moldado. Esta atividade industrial é fundamental para a economia local, empregando mais de 80 mil pessoas direta ou indiretamente em municípios como Araripina, Ouricuri, e Trindade.

Modelo Energético Insustentável
Para transformar a gipsita em gesso, é necessário um processo de calcinação que consome muita energia. No polo gesseiro, a matriz energética é majoritariamente composta pela queima de madeira (73%), seguida pela queima de carvão betuminoso (10%), óleo BFP e óleo diesel (13%), e apenas 3% de energia elétrica. A dependência de lenha tem levado ao desmatamento desenfreado da Caatinga, um bioma único e exclusivo do Brasil.

Desde a década de 1960, a vegetação da Caatinga tem sido convertida em carvão para alimentar os fornos de calcinação, sem a devida reposição. Essa prática insustentável está esgotando os recursos naturais da região, colocando em risco a continuidade da indústria do gesso e agravando os problemas ambientais.

Consequências Ambientais Devastadoras
A devastação da Caatinga tem múltiplas consequências ambientais. Este bioma, que cobre aproximadamente 11% do território brasileiro, é essencial para a biodiversidade e para a regulação do clima. Estudos indicam que a Caatinga possui uma alta capacidade de remoção de CO2 da atmosfera, sendo um aliado importante no combate ao aquecimento global. No entanto, segundo o MapBiomas, restam apenas 57% da vegetação nativa da Caatinga.

A retirada desenfreada de madeira está acelerando o processo de desertificação no semiárido brasileiro. A região do Araripe já enfrenta uma situação crítica, com a perda de vegetação nativa contribuindo para a aridez do solo e a redução da umidade. Ivan Ighour Silva Sá, engenheiro florestal, utilizou imagens de satélite para estudar a devastação na Caatinga, revelando que, anualmente, são retirados o equivalente a 11 mil campos de futebol de vegetação da região, tanto de forma legal quanto ilegal.

Impacto Econômico e Social
A crise ambiental está impactando diretamente a viabilidade econômica do setor gesseiro. A escassez de lenha tem levado as empresas a buscar madeira em distâncias cada vez maiores, chegando a 700 km do polo, o que aumenta os custos operacionais. Atualmente, o custo da lenha atinge R$ 230 por tonelada, enquanto a tonelada de gesso é comercializada a R$ 250. Essa situação está reduzindo as margens de lucro e colocando em risco a sustentabilidade das empresas.

Jefferson Araújo Duarte, presidente do Sindugesso, reconhece que o setor enfrenta um colapso iminente devido à insustentabilidade do modelo atual. A crise econômica afeta diretamente as comunidades locais, que dependem da indústria do gesso para sua subsistência. A perda de empregos e a redução da atividade econômica podem ter consequências sociais graves para a região.

Falta de Fiscalização e Atividades Ilegais
A falta de fiscalização adequada tem permitido que o desmatamento e o transporte ilegal de lenha continuem sem grandes impedimentos. Durante uma blitz da Polícia Rodoviária Federal em Araripina, a reportagem do Fantástico acompanhou a apreensão de quatro caminhões carregados de lenha de origem não comprovada em poucas horas. Em 2023, as apreensões de lenha irregular aumentaram em 500%, demonstrando a dimensão do problema.

Alternativas Sustentáveis para a Indústria do Gesso
Para evitar o colapso do setor e a devastação ambiental, é crucial implementar alternativas energéticas e práticas de manejo sustentável. Algumas das alternativas incluem planos de manejo sustentável da Caatinga, com replantio adequado e conservação das áreas de vegetação nativa. O aproveitamento de lenha de eucalipto, embora possa causar impactos ambientais, pode ser uma alternativa para suprir a demanda de lenha, se manejado de forma responsável.

A região possui acesso ao gás natural através da Copergás. A substituição parcial ou total da lenha por gás natural pode reduzir significativamente a pressão sobre a Caatinga. Além disso, a alta incidência de luz solar no Sertão do Araripe torna a energia solar uma alternativa viável e sustentável. Embora o investimento inicial seja elevado, a geração de energia solar pode proporcionar uma significativa redução nos custos a longo prazo e diminuir a dependência de lenha. Com um retorno sobre o investimento entre 3 a 8 anos e uma vida útil de até 30 anos, os sistemas de energia solar são uma solução promissora.

Risco Geral
A crise no setor gesseiro do Sertão do Araripe é um exemplo claro de como práticas insustentáveis podem levar ao colapso econômico e ambiental. A devastação da Caatinga, um bioma vital para a biodiversidade e a regulação climática, está colocando em risco não apenas a indústria do gesso, mas também a subsistência das comunidades locais.

É urgente a adoção de alternativas energéticas sustentáveis e práticas de manejo responsável para garantir a continuidade da produção de gesso e a preservação do meio ambiente. A implementação de energia solar, o uso de gás natural e a criação de planos de manejo sustentável são passos fundamentais para evitar a desertificação e promover a sustentabilidade no Sertão do Araripe. Somente com ações concretas e coordenadas será possível preservar o bioma da Caatinga e garantir um futuro próspero para a indústria do gesso e para as comunidades que dela dependem. É isso!

Coluna baseada em reportagem do Fantástico 

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