O depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, prestado nesta segunda-feira à Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), confirmou a existência de reuniões realizadas no Palácio da Alvorada nas quais o então presidente Jair Bolsonaro apresentou propostas que previam a decretação de Estado de Sítio, Estado de Defesa ou Garantia da Lei e da Ordem (GLO) como resposta à derrota nas eleições presidenciais de 2022. O general declarou que foi chamado por Bolsonaro para analisar o que o ex-mandatário teria denominado de “estudo” contendo sugestões de ação diante do resultado das urnas, que selou a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva.
Freire Gomes admitiu ter tomado conhecimento de versões sucessivas de um documento que reunia justificativas legais para adoção de medidas excepcionais, e confirmou que em uma dessas versões constava a sugestão de prisão de autoridades, citando que, ao que tudo indicava, o alvo seria o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal no STF que investiga a tentativa de golpe. Apesar disso, o general procurou relativizar o conteúdo apresentado por Bolsonaro, alegando que os dispositivos estavam previstos na Constituição e, por isso, o material não teria causado alarme imediato. O ministro Moraes, no entanto, confrontou o militar, apontando divergências entre o que ele disse na audiência e o que havia declarado à Polícia Federal em março de 2024.
No depoimento à PF, Freire Gomes afirmou que Bolsonaro apresentou três alternativas jurídicas para interromper a transição democrática: a instauração de Estado de Defesa, de Sítio ou de GLO. O general, que estava no comando do Exército naquele momento, afirmou que alertou o presidente sobre os riscos jurídicos de seguir com tais planos. Disse que advertiu o ex-presidente de que qualquer iniciativa nesse sentido dependeria de apoio político e jurídico nacional e internacional, bem como da adesão do Congresso Nacional. Segundo ele, ressaltou que sem esses apoios, Bolsonaro poderia enfrentar graves implicações legais. Ainda assim, no depoimento prestado ao STF, Freire Gomes insistiu que Bolsonaro apenas compartilhou o conteúdo como uma espécie de “estudo” e não pediu avaliações formais sobre sua implementação.
Ao ser questionado pelo ministro Alexandre de Moraes sobre a participação de outros comandantes militares nas reuniões, Freire Gomes mencionou a presença do então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, mas negou ter percebido qualquer tipo de conluio entre os militares e o ex-presidente. Afirmou que Garnier teria sido também pego de surpresa pelas propostas, e que demonstrou apenas respeito à figura presidencial. Moraes, entretanto, rebateu, lembrando que o general já havia relatado à Polícia Federal que Garnier teria declarado apoio a Bolsonaro. Diante da advertência do ministro de que uma testemunha não pode mentir nem omitir informações, Freire Gomes reafirmou que o almirante dissera estar “com o presidente”, mas ponderou que não poderia interpretar qual era o real significado daquelas palavras.
A audiência integra a fase de instrução da ação penal que julga o chamado "núcleo crucial" da alegada tentativa de ruptura institucional atribuída a Bolsonaro e aliados diretos. Além do ex-presidente, o processo envolve outros sete réus, entre eles o ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Participaram da audiência virtual, além de Moraes, os ministros Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Luiz Fux, todos integrantes da Primeira Turma do STF.
Freire Gomes também buscou desfazer outra informação relevante da investigação: a de que teria dado voz de prisão a Bolsonaro, conforme declarado à PF pelo ex-comandante da Aeronáutica, Carlos Almeida Baptista Junior. Em seu depoimento ao STF, o general negou essa versão e disse acreditar que houve um mal-entendido ou uma má interpretação do colega da Força Aérea. A negativa foi feita de forma categórica, numa tentativa de reduzir o impacto do que fora interpretado anteriormente como um gesto de ruptura com o então presidente.
As audiências em curso no STF ocorrem em um momento delicado, no qual são esmiuçadas as ações e intenções do mais alto escalão do governo Bolsonaro após o resultado eleitoral de 2022. Os depoimentos, embora confirmem a apresentação de propostas de natureza excepcional, também evidenciam a tentativa de alguns personagens-chave em distanciar-se de qualquer comprometimento com um plano efetivo de golpe de Estado. A retórica adotada por Freire Gomes sugere uma tentativa de resguardar sua posição institucional, afirmando que o documento não causou alarde imediato entre os comandantes militares por conter previsões que, segundo ele, estavam "dentro da Constituição", embora o próprio conteúdo, como apresentado à PF, envolvesse prisões arbitrárias e ruptura do processo democrático.
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