quinta-feira, 15 de maio de 2025

PEPE MUJICA, O FUSCA E A CACHORRINHA

José "Pepe" Mujica, ex-presidente do Uruguai, faleceu no dia 13 de maio de 2025, aos 89 anos, vítima de um câncer no esôfago, encerrando uma das trajetórias mais singulares e admiradas da política latino-americana. Conhecido mundialmente por seu estilo de vida austero e pela coerência entre discurso e prática, Mujica se tornou uma figura icônica, admirada não apenas por seus compatriotas, mas por milhões de pessoas ao redor do mundo. Desde que assumiu a presidência do Uruguai em 2010, ele surpreendeu ao abrir mão do conforto do Palácio Presidencial para continuar vivendo em sua chácara, nos arredores de Montevidéu, onde cultivava flores ao lado da esposa, Lucía Topolansky, e dividia a casa com seus cães e galinhas. Mas talvez nenhum objeto tenha simbolizado tão bem sua filosofia de vida quanto seu velho Fusca azul, modelo 1987, que dirigia pessoalmente por estradas rurais e avenidas da
capital.
O carro, com pintura desgastada e marcas do tempo, ganhou fama internacional em 2014, quando Mujica ainda era presidente e recebeu uma proposta inusitada: um sheik árabe, impressionado com a história do presidente e com o valor simbólico do automóvel, ofereceu 1 milhão de dólares pelo Fusca — cerca de 5,6 milhões de reais na cotação da época. A proposta foi recusada imediatamente. Mujica justificou dizendo que aquele carro não estava à venda porque representava sua vida, suas escolhas, suas convicções. Para ele, o Fusca era mais do que um meio de transporte: era um companheiro de lutas, um símbolo de resistência ao consumismo e ao poder corrompido pela vaidade. Apesar da insistência de colecionadores e instituições que desejavam comprar o veículo, ele preferiu manter o carro ao seu lado, estacionado ao lado da chácara, como parte de sua história viva.
Mesmo após deixar a presidência em 2015, Mujica seguiu dirigindo o Fusca sempre que a saúde permitia. A presença do carro era constante nas visitas que recebia, nos encontros com amigos e nas raras aparições públicas. Até seus últimos dias, quando a doença já avançava, fazia questão de lembrar que nunca quis ser mais do que um cidadão comum, guiado por ideais de justiça social e liberdade. A relação com os animais também era forte: entre seus fiéis companheiros estava uma cadelinha sem raça definida, que o acompanhou por muitos anos e cujo enterro, em um pequeno jardim da propriedade, foi um momento de grande emoção para o ex-presidente.
Por desejo expresso em vida, Mujica será cremado, e suas cinzas enterradas no mesmo terreno, ao lado do túmulo de sua velha cachorrinha. O gesto, profundamente simbólico, reforça sua ligação com a terra, com a simplicidade da vida rural e com os afetos que cultivou fora dos palácios e dos salões do poder. Sua despedida, sem velório oficial ou cerimônias pomposas, segue o estilo que sempre o definiu: discreto, afetivo, comovente. O Fusca, agora silencioso e imóvel ao lado da casa, passa a representar não apenas a vida de um homem, mas o ideal de uma política feita com ética, sobriedade e amor pelo próximo. A morte de Mujica encerra uma era, mas seu legado, assim como seu velho carro azul, permanecerá intacto — exemplo raro de integridade e coerência em tempos marcados pelo excesso e pela vaidade.

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