De acordo com o relatório da PF, Bolsonaro teve participação no esquema, embora não tenha sido indiciado neste inquérito específico. A justificativa é que o ex-presidente já responde por crime de organização criminosa no âmbito da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado. No entanto, o núcleo operacional do esquema foi atingido com indiciamentos que incluem figuras próximas a ele. Entre os principais nomes está Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Abin e atual deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro, que comandava a estrutura paralela de espionagem. Carlos Bolsonaro, vereador e filho do ex-presidente, também foi formalmente indiciado, apontado como articulador político do uso indevido da agência.
A lista de alvos do monitoramento clandestino é extensa e revela a abrangência do plano. Ministros do Supremo como Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux foram espionados, segundo a PF, com uso de tecnologia de geolocalização e acompanhamento eletrônico. No Congresso Nacional, os investigados incluíam o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o deputado Kim Kataguiri (União-SP), a ex-deputada Joice Hasselmann, o ex-deputado Jean Wyllys e o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia.
A PF identificou ainda que jornalistas, senadores, governadores e até servidores de órgãos estratégicos estavam na mira do sistema ilegal. No total, 37 pessoas foram indiciadas, incluindo o atual diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa. A investigação aponta que a estrutura da agência foi usada com desvio de finalidade, operando como um braço clandestino do gabinete presidencial, em sintonia com a chamada “ala ideológica” do governo Bolsonaro.
O método utilizado pelos espiões incluía o uso da ferramenta FirstMile, um software capaz de rastrear a localização de dispositivos móveis sem autorização judicial. Essa tecnologia, que deveria servir à segurança do Estado em operações contra o crime organizado e o terrorismo, foi usada para fins políticos e pessoais, violando garantias constitucionais e colocando em xeque a integridade institucional da Abin. Os registros coletados revelam dezenas de milhares de acessos a dados de localização de alvos, sem qualquer respaldo legal, expondo a gravidade da operação paralela.
O inquérito descreve a atuação de um núcleo técnico e outro político, com funções bem delineadas. Enquanto agentes da Abin operavam o sistema e coletavam informações, figuras do entorno de Bolsonaro indicavam os alvos e orientavam o uso dos dados. As informações obtidas, segundo os investigadores, foram usadas para alimentar estratégias políticas, ataques nas redes sociais e ações de bastidores contra adversários do governo.
A Polícia Federal destacou que o caso representa um dos episódios mais graves de instrumentalização das instituições de Estado para fins pessoais e políticos desde a redemocratização do país. Ainda que Jair Bolsonaro não tenha sido formalmente indiciado neste momento, a citação de sua participação no relatório final representa um marco na responsabilização de ex-mandatários por condutas criminosas durante o exercício do cargo. O relatório final será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público Federal, que poderá oferecer denúncia nos próximos meses.
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