quinta-feira, 19 de junho de 2025

MORRE FRANCISCO CUOCO, GRANDE ATOR BRASILEIRO

Morre Francisco Cuoco, aos 91 anos: ator que moldou o galã brasileiro e fez história na televisão, no teatro e no coração do público

O Brasil perdeu nesta quinta-feira, 19 de junho de 2025, um de seus maiores intérpretes da arte dramática. Francisco Cuoco, ator que se tornou símbolo da era de ouro da televisão brasileira, morreu aos 91 anos, após passar cerca de 20 dias internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Segundo familiares, ele estava sedado desde a internação e enfrentava um quadro clínico delicado, agravado por um ferimento que evoluiu para uma infecção severa. A causa oficial da morte, confirmada por meio de nota, foi falência múltipla dos órgãos.

Vivia com a irmã, Grácia Cuoco, sua companheira inseparável nos últimos anos. Com dificuldades para se locomover e realizar atividades simples, Cuoco era acompanhado por cuidadores e travava batalhas silenciosas contra a ansiedade, a obesidade e o avanço da idade. Mesmo com limitações físicas, seu espírito permanecia firme. Em recente conversa com amigos próximos, teria confidenciado a saudade dos palcos, das câmeras e do contato com o público, que o acompanhou fielmente por mais de seis décadas.

Francisco Cuoco nasceu em 29 de novembro de 1933, no bairro do Brás, em São Paulo. De origem humilde e criado em um lar operário, mostrou ainda jovem um talento raro para a comunicação e a sensibilidade artística. Começou a estudar Direito, a contragosto, mas logo trocou os códigos jurídicos pelos palcos da Escola de Arte Dramática (EAD), onde se formaria como ator. Nos anos 1950, integrou o elenco do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), então o centro nervoso da inovação teatral brasileira, e depois seguiu para o Teatro dos Sete, ao lado de gigantes como Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Ítalo Rossi e Fernando Torres.

Sua estreia na televisão ocorreu nos teleteatros da extinta TV Tupi, em tempos em que tudo era ao vivo, improvisado e cheio de riscos. Era um ambiente para poucos — e Cuoco logo se destacou pela dicção precisa, pela elegância em cena e pela facilidade de transitar entre emoções. Na virada da década de 1960, foi chamado para atuar em novelas na TV Record e na TV Excelsior. Em “Redenção” (1966), viveu um dos protagonistas da novela mais longa da história da TV brasileira, com mais de 500 capítulos, e ganhou reconhecimento nacional. Pouco depois, em “Legião dos Esquecidos” (1968), seu nome se consolidou como promessa da nova dramaturgia.


O convite para integrar o elenco fixo da TV Globo, em 1970, abriu um novo capítulo em sua trajetória. A estreia na emissora aconteceu com a novela “Assim na Terra como no Céu” e, em seguida, vieram os grandes sucessos que o colocariam no panteão dos galãs históricos da teledramaturgia. Em “Selva de Pedra” (1972), interpretou Cristiano Vilhena, ao lado de Regina Duarte, formando uma das duplas românticas mais lembradas da televisão brasileira. A química entre os dois atores foi tanta que voltariam a atuar juntos em outras produções, como “O Semideus” (1973) e “Pecado Capital” (1975), de Janete Clair.

Foi em “O Astro” (1977), no papel do misterioso Herculano Quintanilha, que Cuoco consolidou de vez a imagem do galã moderno, maduro e intrigante. O personagem, um camelô que fingia ser vidente, cativou o público e virou fenômeno cultural, com bordões repetidos nas ruas e uma legião de fãs. Anos depois, viveu o personagem novamente na reedição da trama, que ganhou nova versão com Rodrigo Lombardi.

Outro papel memorável foi o de Paulo Della Santa em “O Outro” (1987), onde interpretou dois irmãos gêmeos com vidas e personalidades distintas, reafirmando sua habilidade técnica e emocional como ator. Em “Tieta” (1989), viveu o Padre Mariano, um sacerdote sensualizado pelas lembranças da protagonista vivida por Betty Faria. Ali, mais uma vez, Cuoco demonstrava o talento de se reinventar e desafiar estereótipos.

Além das novelas, participou de minisséries e especiais de fim de ano, com destaque para “Agosto” (1993), baseada na obra de Rubem Fonseca, onde deu vida a um político envolto em intrigas, e “O Primo Basílio” (1988), adaptação do romance de Eça de Queirós. Em todos os gêneros, mostrou um compromisso ético com a arte: estudava minuciosamente cada texto, preparava seus personagens com rigor e buscava sempre entregar autenticidade em cena.

Na virada do século, passou a atuar em papéis mais pontuais, muitas vezes como coadjuvante, mas sem jamais perder o brilho. Em “Passione” (2010), deu vida ao sofisticado Antero Gouveia. Em “Sol Nascente” (2016), foi o romântico Tanaka. Em “Segundo Sol” (2018), brilhou como Severo Athayde, um homem amargo que vive um arco de redenção. Seu último trabalho na televisão foi o especial “Juntos a Magia Acontece” (2020), exibido no Natal, onde interpretou um avô amoroso numa história de reconciliação familiar.

Francisco Cuoco também teve uma relação afetiva com a música. Nos anos 1980, gravou dois discos, sendo um deles inteiramente dedicado a orações e meditações — um reflexo de sua busca por espiritualidade e introspecção. No cinema, atuou em mais de 20 filmes, como “Amante Muito Louca” (1973), “Tudo Bem” (1978), “Feliz Ano Velho” (1987), “Carandiru” (2003) e “Casa da Mãe Joana” (2008), transitando do drama à comédia com a mesma desenvoltura.

Fora das telas, Cuoco sempre cultivou uma imagem discreta. Foi casado duas vezes, teve filhos, mas optou por manter a vida pessoal longe dos holofotes. Dizia que o personagem era mais importante que o ator — e talvez por isso tenha se tornado um dos intérpretes mais respeitados e duradouros da televisão brasileira.

Em 2025, pouco antes de sua morte, foi homenageado na série documental “Tributo”, do Globoplay, que revisitou os principais momentos de sua carreira e ouviu depoimentos de colegas, autores e diretores que trabalharam com ele. A produção emocionou o público e foi considerada um reconhecimento tardio, porém justo, ao legado de um artista completo.

Francisco Cuoco sai de cena deixando uma ausência irreparável, mas também uma presença permanente em nossa memória cultural. Cada personagem, cada frase dita com voz pausada, cada olhar que carregava emoção contida — tudo isso faz parte da história de milhões de brasileiros que cresceram, sonharam e se emocionaram ao vê-lo em ação. Cuoco não interpretava apenas personagens: ele interpretava a alma humana com delicadeza, respeito e paixão.

Seu nome, agora, pertence à eternidade.

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