domingo, 20 de julho de 2025

OPERAÇÃO BOLSONARO ACIRRA ÂNIMOS ENTRE EUA E BRASIL


A operação deflagrada pela Polícia Federal, na última sexta-feira (18), contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) adicionou um novo capítulo à crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou a ofensiva e estabeleceu uma série de medidas cautelares contra o líder do PL.

As restrições tiveram maioria na Primeira Turma da Corte para serem mantidas. No mesmo dia, o secretário de Estado do governo norte-americano, Marco Rubio, informou que revogou os vistos americanos de Moraes, "de seus aliados e de seus familiares imediatos".

O anúncio não deixa claro quais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e demais pessoas devem ser atingidos.

"O presidente Trump deixou claro que seu governo responsabilizará estrangeiros responsáveis pela censura de expressão protegida nos Estados Unidos. A caça às bruxas política do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, contra Jair Bolsonaro criou um complexo de perseguição e censura tão abrangente que não apenas viola direitos básicos dos brasileiros, mas também se estende além das fronteiras do Brasil, atingindo os americanos", diz a postagem de Rubio na rede social X.

O deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) agradeceu ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e ao secretário de Estado americano, Marco Rubio, pela revogação dos vistos.

As declarações e medidas judiciais ocorrem em meio à intensificação das tensões entre os governos de Lula (PT) e Donald Trump, motivada, entre outros fatores, pela recente decisão americana de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.

 Entre as justificativas para a imposição das taxas, o chefe de estado americano disse que a decisão é uma resposta à perseguição que Jair Bolsonaro estaria sofrendo no Brasil, devido ao processo criminal que enfrenta no STF, acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado.

Em meio à crise tarifária, a operação foi deflagrada com a justificativa de risco de fuga apontado pela Polícia Federal (PF) e pela Procuradoria-geral da República (PGR). Além disso, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o ex-presidente confessou a "consciente e voluntária atuação criminosa na extorsão que se pretende contra a Justiça brasileira" ao condicionar o fim das taxas de 50% impostas por Donald Trump aos produtos brasileiros à própria anistia.

Pela decisão, agora mantida pela maioria da Primeira Turma, Bolsonaro está ainda proibido de se ausentar da comarca do Distrito Federal, não pode se comunicar com seu filho Eduardo Bolsonaro, também investigado, ou com embaixadores e diplomatas de outros países. O ex-presidente não pode se aproximar de embaixadas e terá que fazer recolhimento domiciliar noturno.

“As ações de Jair Messias Bolsonaro demonstram que o réu está atuando dolosa e conscientemente de forma ilícita, conjuntamente com o seu filho, Eduardo Nantes Bolsonaro, com a finalidade de tentar submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado estrangeiro, por meio de atos hostis derivados negociações espúrias e criminosas com patente obstrução à Justiça e clara finalidade de coagir essa Corte no julgamento da AP 2.668/DF”, afirmou a decisão.

Análise

Para especialistas ouvidos pela reportagem, os desdobramentos do processo tendem a influenciar diretamente o curso do conflito entre os dois países, seja contribuindo para sua atenuação, seja aprofundando o imbróglio.

“Eu acho que a operação de hoje (ontem) vai reduzir a tensão. Porque o Trump vai compreender que o Brasil coloca as coisas no terreno comercial, porque tem uma ordem constitucional que está sendo cumprida. Então ele vai perceber que o Brasil retira o assunto da órbita geopolítica e o leva para terreno comercial, que é onde ele deve estar colocado”, afirmou o economista e titular da coluna “Um ponto de vista do Marco Zero” da Folha de Pernambuco, Luiz Otávio Cavalcanti.

No entanto, para o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Augusto Teixeira, a operação constitui uma potencial escalada na crise estabelecida entre o Brasil e os Estados Unidos. Ele avalia que a operação da Polícia Federal contra Bolsonaro, somada ao “autoexílio” do deputado federal Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, poderá acirrar ainda mais os ânimos em Washington.

“A ação poderá levar os grupos políticos brasileiros que atuam em Washington a pressionar cada vez mais a Casa Branca e, especialmente, os órgãos do Departamento de Estado que dialogam com o hemisfério americano e com o Brasil. Essa pressão pode culminar até mesmo em sanções ao país”, disse.

Já o estrategista de renda fixa da Daycoval Corretora, Paulo Henrique Oliveira, avaliou, em entrevista ao O Globo, que há um receio de que a crise comercial escale. "Depois do que houve com Bolsonaro, o receio é que Trump dobre a aposta e eleve ainda mais as tarifas contra o Brasil", afirmou.

Brics

Para Luiz Otávio Cavalcanti, Bolsonaro foi um pretexto utilizado por Trump para atingir o Brics, grupo de países formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. “O mundo, de algum tempo para cá, começou a se organizar de forma geopolítica, através da constituição de blocos econômicos”, relatou.

Segundo ele, Trump vê em Bolsonaro uma oportunidade para avançar em frentes de interesse direto dos setores que apoiam sua campanha, como as big techs e o mercado de compras governamentais.

Já para Augusto Teixeira, a defesa de Trump a Bolsonaro é um tema que gera engajamento entre a militância norte-americana, especialmente o seu grupo de apoiadores denominado MAGA, que simboliza seu slogan de campanha “Make America Great Again”.

“Para Trump, Bolsonaro funciona muito mais como um cavalo de Troia: uma justificativa para atacar o Brasil e tentar obter ganhos reais nos temas que lhe interessam de fato — como a regulação das big techs no país e a abertura de mercado. Assim, Bolsonaro é, para Trump, mais útil como argumento estratégico em frentes que interessam diretamente aos setores que financiam sua campanha — notadamente as big techs — do que como figura central de uma preocupação genuína enquanto líder político”, disse.

Tarifaço

Apesar da disparidade de poder entre Brasil e Estados Unidos, Cavalcanti acredita que o Brasil tem capacidade de resistência. “Embora haja uma desproporção de poder entre os Estados Unidos e o Brasil, o Brasil é capaz de resistir, como vem resistindo, a essa investida do presidente americano. Uma das maneiras de resistir é gerando oportunidades alternativas para o comércio exterior dos nossos produtos”, afirma.

Enquanto o cenário internacional se polariza, a situação interna brasileira continua a evoluir com rapidez. A janela de decisão para conter a crise se estreita, como alerta Augusto Teixeira. Isso porque o prazo para a entrada em vigor da taxação começa no dia primeiro de agosto.

 “A janela de decisão até o dia 1º de agosto começa a se estreitar, não em razão do estabelecimento de canais de diálogo entre os presidentes e, obviamente, suas chancelarias, mas pela evolução do processo político interno no Brasil, conduzido pelo Judiciário, que poderá gerar reverberações políticas não controláveis — ainda que o processo seja legal e legítimo”, destacou

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