Por Greovário Nicollas.
O imaginário popular acerca da função das prefeituras municipais no Brasil guarda peculiaridades que desafiam a lógica. Na visão de muitos, o prefeito tem dinheiro para tudo. Basta querer. É como se, em algum porão secreto da prefeitura, houvesse um cofre dourado, digno do “tio Patinhas” dos gibis, pronto para ser aberto e bancar qualquer obra ou evento.
Essa percepção, embora comum, é profundamente equivocada. A administração pública não .funciona com base em “querer” ou “não querer”. Funciona, sim, sob o peso de normas, leis e amarras orçamentárias. O dinheiro até existe, mas muitas vezes não pode ser usado para o que a população deseja. Grande parte dos recursos municipais são “carimbados” — destinados exclusivamente a áreas específicas, por determinação da Constituição Federal, leis complementares ou convênios. Isso significa que verbas para saúde não podem ser desviadas para pavimentar ruas. Recursos para educação não podem pagar o show da festa junina. O dinheiro para assistência social não pode construir uma praça. A confusão nasce do fato de que, sim, chegam recursos para tudo. Vem dinheiro para a festa, para a ambulância, para a cesta básica, para o remédio, para a compra de veículos. A sequência, repetida como cantiga de ninar, alimenta a falsa impressão de que o gestor escolhe livremente o que fazer ou deixar de fazer.
Essa percepção é também fruto de um problema cultural: a falta de educação voltada para o entendimento do funcionamento do Estado. Em um país onde “influencers” analfabetos faturam milhões, enquanto a leitura e a busca pelo conhecimento se tornam raros, a compreensão sobre temas públicos perde espaço. Nos pequenos municípios, essa lacuna é ainda mais grave. A população, muitas vezes, acredita num “dogma” enraizado, quase um chip mental: “o prefeito não faz porque não quer”. Essa crença resiste a qualquer explicação técnica, porque não se trata apenas de informação, mas de uma convicção emocional. O resultado é que, muitas vezes, administrações competentes são mal avaliadas simplesmente por não conseguirem atender a todas as expectativas. A crise econômica, a queda de arrecadação e os sucessivos apertos financeiros tornam a gestão ainda mais desafiadora. Mas isso pouco importa para quem vê apenas o resultado final — ou a ausência dele.
As receitas de uma prefeitura vêm de tributos como o FPM, ICMS, ISS, além de transferências vinculadas a programas federais e estaduais. Com a reforma tributária, alguns nomes mudaram, mas o mecanismo segue: o valor repassado depende de critérios como população, número de alunos matriculados e indicadores sociais. Cada centavo que entra e sai é fiscalizado, registrado e vinculado a regras específicas. Não há “passe de mágica” para transformar dinheiro da merenda em calçamento, ou verba de convênio em iluminação pública. No fim, o mito do “dinheiro tem” continua a circular, alimentando críticas infundadas e expectativas impossíveis. E, enquanto a compreensão sobre o funcionamento do orçamento público não se espalhar, gestores continuarão a enfrentar o julgamento implacável de um povo que, sem saber, cobra o impossível.
*Articulista, Periodista e Colaborador do Blog do Edney*
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