Na avaliação dos analistas, o horizonte para o crescimento da receita em 2026 se tornou mais desafiador. As tendências de vendas do varejo alimentar vêm se deteriorando de forma consistente, em um contexto de desaceleração gradual da inflação dos alimentos, que deve se aproximar de zero até meados de 2026. Embora, em tese, a queda da inflação pudesse estimular o consumo, o JPMorgan avalia que o efeito tende a ser o oposto neste caso: consumidores seguem migrando para produtos mais baratos, o volume de vendas encontra dificuldade para reagir e as ações promocionais mostram impacto cada vez mais limitado.
Esse ambiente, segundo o banco, aumenta o risco de as vendas nas mesmas lojas (SSS) ficarem negativas já no primeiro semestre de 2026. Com isso, o espaço para ganhos de margem se reduz significativamente, mesmo considerando iniciativas internas de eficiência. A geração de fluxo de caixa livre segue fraca e irregular, o que pode levar a um ritmo mais lento de expansão da companhia nos próximos anos.
Apesar de reconhecerem que há margem para melhorias operacionais — especialmente na eficiência de despesas e no capital de giro —, os analistas destacam que os recentes ajustes contábeis lançaram uma sombra duradoura sobre a credibilidade da empresa. Problemas no controle do sistema ERP próprio afetaram diretamente os números de estoques e a margem bruta, levantando sérias dúvidas sobre a governança corporativa do grupo.
O episódio mais sensível ocorreu após a divulgação dos resultados do terceiro trimestre de 2025, quando o mercado reagiu com fortes quedas às ações, diante da revelação de um erro de R$ 1,1 bilhão na valorização dos estoques no balanço de 2024. A falha, ligada ao cálculo do custo médio das mercadorias vendidas — um dos pontos mais críticos no balanço de varejistas —, reforçou temores antigos sobre a fragilidade dos controles internos, já apontados anteriormente por auditores independentes.
Diante desse cenário, o JPMorgan revisou para baixo suas estimativas para 2026, reduzindo as projeções de vendas e Ebitda em 8% e 14%, respectivamente. O lucro por ação permaneceu praticamente estável apenas por conta do reconhecimento de subvenções fiscais de ICMS; sem esse efeito, a projeção cairia 16% e ficaria de 10% a 15% abaixo do consenso do mercado para 2026 e 2027.
Com isso, o banco estima que o valor justo do Grupo Mateus fique entre R$ 4,00 e R$ 4,50 por ação em dezembro de 2026, faixa inferior ao preço recente de mercado. Mesmo assim, o JPMorgan optou por retirar formalmente o preço-alvo, reforçando a cautela extrema em relação aos papéis.
Embora a empresa negocie com desconto frente a outros varejistas brasileiros, os analistas avaliam que a qualidade dos lucros é inferior à média do setor, especialmente pela forte dependência de incentivos fiscais. No comparativo setorial, a preferência do banco recai sobre o Assaí (ASAI3), considerado mais bem posicionado para enfrentar o atual ciclo econômico.
O quadro macroeconômico também pesa contra a companhia. A desinflação dos alimentos, somada a um ambiente econômico fraco, cria um cenário considerado sombrio para a receita. O JPMorgan projeta que a inflação de alimentos desacelere de forma contínua, limitando o crescimento nominal das vendas, enquanto a renda disponível das famílias permanece pressionada. O banco ainda destaca a redução, em termos anuais, dos repasses do Bolsa Família nos principais estados de atuação do Grupo Mateus, o que tende a restringir ainda mais o consumo.
Além disso, eventuais melhorias nos dias de estoque devem ser mais modestas após a reformulação das demonstrações financeiras. O elevado capital de giro, acima do observado em pares do setor, segue como ponto de atenção, mesmo considerando o peso das operações de atacado e distribuição.
Para o JPMorgan, a combinação de fragilidade operacional, ajustes contábeis de grande magnitude e baixa transparência nos controles internos cria um ambiente de desconfiança difícil de reverter no curto prazo. Assim, mesmo após a forte correção dos papéis, o banco conclui que poucos investidores estão dispostos, neste momento, a assumir o risco de voltar a apostar no Grupo Mateus.
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