O vídeo, obtido durante a ofensiva deflagrada na sexta-feira (28/11), foi gravado em uma casa em Luziânia, no Entorno do Distrito Federal. Nele, Tatiane conduz uma reza carregada de referências ao dinheiro extorquido, enquanto o sargento, com semblante sereno, acompanha a oração com as mãos pousadas sobre o montante. Os maços estão dispostos à frente do casal como se fossem parte de um altar criminoso.
Enquanto os dois pedem que o dinheiro “retorne”, “seja abençoado” e “multiplique”, a gravação escancara um nível raro de confiança na impunidade e na estrutura da quadrilha. Investigadores afirmam que a cena traduz o grau de profissionalização e frieza existente na organização, que cobrava dívidas por meio de terror psicológico, espancamentos e ameaças de morte.
UMA QUADRILHA FORMADA PARA COBRAR PELO MEDO
A operação policial prendeu seis integrantes do grupo, entre eles Tatiane, o sargento Póvoa — que já foi candidato a vereador pelo PL —, outros dois policiais militares e dois civis. Todos são acusados de envolvimento em um esquema de agiotagem violenta, com crimes que incluem extorsão, tortura mediante sequestro e lavagem de dinheiro.
A investigação começou após uma denúncia interna da própria Polícia Militar, que identificou indícios de que Póvoa e outros agentes estariam utilizando o cargo para garantir o funcionamento do esquema.
Segundo a polícia, a quadrilha atuava com divisão de funções, armas, locais destinados às agressões e um sistema próprio de contabilidade. O ritual da “oração do dinheiro” seria uma espécie de celebração dos valores arrecadados à força, quase como uma reafirmação da união e da força do grupo.
“VOCÊ VAI APRENDER COMO FUNCIONA”: VIOLÊNCIA DOCUMENTADA EM VÍDEO
Além da cena da oração, a polícia coletou um conjunto de gravações que evidenciam o modo de operação da quadrilha — sempre marcado pela brutalidade. Um dos vídeos mais graves mostra o sargento Póvoa agredindo uma mulher que teria atrasado o pagamento de um empréstimo.
As imagens mostram o militar armado dentro da residência da vítima, que está sentada na cama, em posição de completa submissão. Ele desfere tapas no rosto dela enquanto a insulta de forma humilhante. Aos prantos, a mulher tenta explicar que sequer recebeu o valor cobrado.
Em um momento de desespero, ela suplica para não ter o celular levado, dizendo que precisa dele para trabalhar. Também oferece para que o agressor confira o armário, pedindo que veja que não havia sequer comida suficiente para a filha.
Mesmo diante da vulnerabilidade da vítima, o policial segue com ameaças e xingamentos, deixando claro que, ali, não havia espaço para diálogo — apenas para o medo.
AGRESSÕES COM PORRETES, CHUTES E HUMILHAÇÕES
Outras gravações mostram homens ajoelhados, chorando enquanto recebem golpes de tacos de baseball, cassetetes e socos. Em um dos registros, um dos criminosos sentencia: “Aqui no Goiás você vai aprender como funciona.”
Tatiane, longe de atuar apenas como suporte jurídico do marido, aparece envolvida diretamente nas sessões de agressão. Em uma das cenas, a advogada surge golpeando um homem com um cassetete, exigindo que ele se levantasse e levantasse o braço “na marra”.
Segundo os investigadores, a participação ativa da advogada indica que ela era peça essencial na engrenagem do grupo — não apenas legitimando contratos, mas auxiliando e até conduzindo atos de violência.
APREENSÕES ESTRUTURAIS
Durante os mandados cumpridos pela polícia, foram apreendidos diversos itens comprobatórios do funcionamento do esquema:
-
Armas de fogo;
-
Tacos, cassetetes e objetos utilizados nas agressões;
-
Aparelhos celulares;
-
Cerca de R$ 10 mil em espécie, parte identificada como o mesmo dinheiro exibido na “oração da extorsão”.
A Polícia Civil afirma que a quadrilha operava como uma organização criminosa plenamente estruturada, com capacidade de agir em diferentes regiões, intimidar vítimas e ocultar valores obtidos ilicitamente.
UM CASO QUE EXPÕE ESTRUTURAS PROFUNDAS
Para investigadores, o episódio evidencia não apenas a violência e corrupção em nível individual, mas um ponto de alerta sobre como agentes públicos podem ser utilizados para legitimar e fortalecer organizações criminosas, sobretudo quando a autoridade é empregada para constranger e silenciar vítimas.
O caso segue sob investigação, e novas denúncias estão sendo recebidas pela Polícia Civil de Luziânia, que acredita que o número de vítimas pode ser muito maior do que o já identificado.
Enquanto isso, as imagens — especialmente as da “oração da extorsão” — permanecem como símbolo de uma realidade perturbadora: um grupo que transformou crime, violência e dinheiro em ritual, devoção e poder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário