sábado, 11 de novembro de 2017

Sem esperança, moradores da Mata Sul estão cansados de promessas



Suspeita de desvio de recursos públicos no socorro às vítimas das enchentes que devastaram a região em 2010 e 2017 fez estrago também na fé de quem deveria ser beneficiado pelo dinheiro


Ciara Carvalho



Em Palmares, casas construídas após as enchentes de 2010, na Operação Reconstrução, foram condenadas e estão abandonadas
Guga Matos

– A gente se sente um nada.

O desabafo de muitos, milhares, na voz de um só. Com a casa condenada, ameaçada de desabar, Giovana Pereira, 38 anos, engrossa a legião dos que esperam. Nem deveria mais. A casa onde ela mora, em Palmares, foi erguida na Operação Reconstrução, após as chuvas que devastaram a Mata Sul do Estado em 2010. Entregue em 2014, o imóvel está com paredes e piso rachados. Precisa ser desocupado e Giovana, mãe de três filhos, se vê novamente sem ter para onde ir. A frase, dita por ela em tom desolador, traduz a revolta dos moradores da região ao saberem que o dinheiro destinado a socorrer as vítimas das enchentes em 2010 e 2017 é agora alvo de uma megaoperação policial por suspeita de desvios dos recursos recebidos pelo governo do Estado. “Eles deveriam ter vergonha. Não se rouba de quem não tem nada.”


A casa de Giovana corre o risco de ganhar o mesmo destino de outras três dezenas de residências que hoje estão abandonadas, segundo a Defesa Civil de Palmares, por má execução da obra de terraplenagem. O cenário é desconcertante. O que era uma rua virou uma cratera que saiu comendo o asfalto e expulsou parte dos moradores. Das casas atingidas, ficaram só paredes e marcas feitas pela Defesa Civil decretando a condenação dos imóveis. Todas as residências foram erguidas após a enchente de 2010, que devastou a cidade de Palmares.

“É um cenário cruel porque quem sempre sofre é a população. Toda essa erosão foi criada no terreno em função da má qualidade da obra de terraplenagem. A consequência foi que o solo não se compactou direito e as casas passaram a apresentar rachaduras, inclinação das paredes, o piso começou a ceder”, diz o coordenador de Defesa Civil da cidade, Amauri Silva. Ele lamenta que parte do dinheiro público gasto na construção das casas tenha sido jogado fora. “É um dinheiro perdido, porque esses imóveis não têm mais condições de serem reformados”, pontuou. Uma realidade que só agrava o déficit habitacional da cidade. Em Palmares, 120 famílias vivem hoje de auxílio-moradia, pago pela prefeitura. E a situação tende a piorar. À medida que as voçorocas aumentam, mais moradores correm o risco de perder suas casas.

Na última sexta-feira, a reportagem do Jornal do Commercio percorreu quatro cidades entre as mais castigadas pelas enchentes da Mata Sul, tanto em 2010 quanto em 2017. Encontrou uma região que vive de promessa, inverno após inverno, tragédia após tragédia. Se em Palmares a tranquilidade da casa própria virou sinônimo de medo e desperdício do dinheiro público, em Maraial é o vazio que assalta a esperança dos moradores. Desde as enchentes de 2010, a cidade espera a construção de 700 casas para abrigar a população que mora em área de risco. Foram executadas obras de terraplenagem em dois terrenos, localizados em áreas altas do município, mas nenhuma residência erguida. Em um dos locais, chegou-se a construir o galpão que serviria de depósito de material e refeitório para os trabalhadores. Hoje tudo está abandonado e destruído.

Com a casa construída praticamente dentro do rio, a aposentada Maria do Carmo da Silva, 77, perdeu a fé. Não acredita mais que a população receberá, um dia, as prometidas residências de Maraial. “Escuto essa lenda desde a enchente de 2010, quando minha casa veio abaixo. Tiveram que passar o trator para recolher os escombros. Como não tinha para onde ir, reconstruí no mesmo lugar. Na chuva deste ano, a água invadiu de novo. Por sorte, não derrubou”, diz, mostrando as marcas deixadas pela água nas paredes.

SEM PERSPECTIVA

A desesperança é tanta que até o prefeito de Maraial, Marcos Moura, se diz cansado de correr atrás das sonhadas casas. “Já fui para Brasília, bati na porta do governo do Estado, são quase oito anos lutando, e nada. Maraial ficou esquecida. Foi a única cidade da Mata Sul que depois de duas tragédias (2010 e 2017) não teve uma única casa erguida. O povo desistiu de acreditar”, afirmou, relatando mais uma triste constatação. Segundo ele, na relação divulgada na semana passada pelo governo do Estado de municípios que receberão casas novas, Maraial está, mais uma vez, fora da lista.

Em Belém de Maria, não é só a população ribeirinha que passa madrugadas acordada com medo da força das águas. Uma parte das casas está fincada em encostas praticamente engolidas por barreiras que ameaçam desabar. No caso da aposentada Maria das Dores de Lima, 72, o risco virou realidade. E por questão de segundos não lhe custou a vida. Dias após a enchente deste ano, parte da barreira por trás da residência da aposentada cedeu e soterrou o quintal.
“Eu estava no lavador e tinha acabado de sair do local quando ouvi o estrondo. Vivo assustada. No inverno, só fico na parte da frente da casa. Mas não tenho para onde ir”, desespera-se. O nome de Maria das Dores fez parte de uma relação de 400 famílias que seriam beneficiadas por um auxílio-moradia pago pelo governo do Estado. A promessa foi feita, a conta no banco aberta, mas os R$ 200 do benefício nunca foram depositados.

Como outras cidades da Mata Sul, Belém de Maria teve que recorrer aos cofres municipais para reconstruir os prédios públicos destruídos pelo temporal. O hospital da cidade foi completamente engolido pelas águas. Enquanto a reforma não acaba, o atendimento é feito de forma improvisada no antigo prédio da prefeitura, onde atualmente funciona a Secretaria de Saúde. Até a unidade ser reaberta, a cidade está sem maternidade e as gestantes precisam ir para Palmares para dar à luz seus bebês.

Nos dias que se seguiram às enchentes de maio deste ano, a foto de um menino assustado e coberto de lama virou símbolo da tragédia. Em meio ao caos, Maicon Vinícius Bezerra, 6, lembrou-se de salvar os brinquedos. Colocou os poucos que tinha numa mochila confiada ao pai antes de a família abandonar a residência. Na última sexta-feira, a reportagem reencontrou Maicon em sua casa, na cidade de Catende. Orgulhoso, o menino correu para mostrar os brinquedos que salvou e ainda os novos que ganhou de uma moradora de Palmares depois que sua foto saiu no jornal.

Após seis meses, a família de Maicon ainda tenta se reerguer. Parte dos móveis foi perdida. Não há guarda-roupa e as peças são guardadas em caixas de papelão. Sem cama, as crianças dormem em colchões espalhados no chão da sala. A mãe, Cícera Maria de Santana, conhece bem essa história. Perdeu tudo na enchente de 2010. Na época, carregava Maicon na barriga.

Maria do Carmo mora praticamente dentro do rio, em Maraial. Em 2010, a casa dela foi destruída - Foto:Guga Matos/JC Imagem


Em Palmares, casas entregues após a enchente de 2010 apresentaram rachaduras e estão abandonadas. - Foto:Guga Matos/JC Im


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