domingo, 2 de fevereiro de 2020

A hora e a vez dos sem carro em Pernambuco


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No ano de 2014 quase 87 mil pessoas na faixa etária de 18 a 29 anos tiraram a primeira Carteira Nacional de Habilitação (CNH) em Pernambuco. Nos últimos cinco anos, essa tendência vem caindo e, em 2019, esse número baixou para 54 mil, uma redução de 37,9%. Em São Paulo, nesse mesmo período, a redução foi pouco mais de 20%. Para os especialistas, a falta de interesse pelo carro traz reflexos no trânsito, mas também nas moradias. Os sem carro não fazem questão de garagem e ainda mais se isso representa redução de custo na casa própria. Pela primeira vez, com a revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo do Recife de 1996, está sendo proposta a não exigência da vaga mínima de garagem, que era um ponto quase inegociável até então. Uma vaga de garagem pode representar em média 20 metros quadrados de área e para o mercado a garagem sempre foi uma exigência dos clientes. A questão que vem sendo levantada pela equipe do Instituto da Cidade Pelópidas da Silveira (ICPS) é se há ou não uma mudança de paradigma nos deslocamentos e nas escolhas das futuras moradias. 

A capital paulista já aposta em habitacionais sem garagem para atender um público que liga cada vez menos para o carro e busca outras formas de deslocamento, seja no transporte público, aplicativos de transporte, bicicleta e o caminhar. Dos 37 mil apartamentos lançados em São Paulo no ano de 2018, cerca de 40% não tinham vaga para garagem. Na capital pernambucana, o mercado imobiliário ainda olha com cautela essa mudança de comportamento. 

“A oferta de vagas de estacionamento, comercialmente, está condicionada ao desejo do cliente. O empreendedor tem que buscar sempre viabilizar seus empreendimentos entendendo as necessidades do consumidor, seja por meio de pesquisas, observação comportamental ou análise de tendências. A não obrigatoriedade de vagas pode ser uma boa, pois torna o desenvolvimento de novos projetos mais flexível”, revelou Sandro Guedes, assessor urbanístico da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi). 

A única preocupação do setor é a limitação de área máxima de construção, pois pode restringir a oferta de vagas em empreendimentos específicos, que por suas características, demandem mais estacionamento.  “Quem quiser colocar as vagas que eram exigidas anteriormente coloque e quem quiser reduzir, reduz. Há quem defenda a restrição estrita. A gente, enquanto poder público, está dizendo que não haverá mais exigência mínima”, apontou João Domingos, presidente do ICPS. . 

“A gente não precisa tratar a pessoa que não tem carro como exceção. Eu não tenho carro e gostaria de pagar mais barato por um prédio sem estacionamento e eu não consigo um que não seja muito antigo”, revelou o urbanista Pedro Guedes.  

Moradia sem garagem e mais barata 

Para o funcionário público Cézar Martins, 43 anos, a bicicleta sempre foi quase uma extensão dele mesmo. Com a chegada da primeira filha se sentiu na obrigação de ter um carro, mas nunca deixou sua bicicleta. No apartamento onde mora com a família, na Zona Norte do Recife, por ironia tem duas vagas de garagem disponíveis. Numa fica o carro, que ele ainda espera se desfazer quando a filha tiver mais idade, e a outra vaga virou um bicicletário. “O Século 20 foi mesmo do carro, mas trouxe consequências ruins para a cidade e a gente está amadurecendo outras formas de deslocamentos. Acho que a revisão da lei é uma evolução. A pessoa tem o direito de escolher não ter carro e não precisa pagar por uma vaga de carro que não vai usar e o empreendedor também tem o direito de escolher não fazer garagem se há público para esse perfil”, destacou. 

Há sete anos, o servidor público Guilherme Jordão, 36 anos, decidiu trocar o carro pela bicicleta e não se arrepende. Para ele, a aposta em imóveis sem garagem é um avanço. “Acho que a proposta da nova lei é um avanço. Ela volta a colocar no quadrado de cada um a responsabilidade e o ônus que cada um tem pelos seus bens. Eu acho que o veículo individual motorizado é ônus e que, de maneira geral, costuma ser compartilhado por todos. É a situação do estacionamento na rua, ou da garagem que está embutido no preço do apartamento, isso tudo traz um custo social de uso do espaço público que é transferido para as pessoas, mesmo que elas não tenham carro”, ressaltou. 

A previsão nos estudos do ICPS é que a redução do custo das construções represente de 30% a 40% nos empreendimentos. “Muito mais importante que a restrição de vagas de estacionamento em empreendimentos privados é a solução dos problemas crônicos na qualidade do transporte público coletivo, que tem impacto direto na escolha do uso do modal de mobilidade por parte do cidadão. O cidadão só vai deixar de usar o transporte individual se o transporte público coletivo for muito bom”, afirma Sandro Guedes da Ademi.

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