Em meio ao embate político que cerca o projeto de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), articulou uma ampla frente de contenção para isolar o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e adiar a decisão sobre a proposta. Com apoio de líderes de catorze partidos, Motta conseguiu costurar um acordo que evita a votação imediata do texto, esvaziando a pressão dos bolsonaristas para que o projeto seja apreciado com urgência. O movimento tem como pano de fundo a tentativa de impedir que o tema se torne um fator de instabilidade institucional, sobretudo com o Supremo Tribunal Federal ainda julgando os envolvidos nos atos antidemocráticos.
Enquanto o PL e o Novo defendem a tramitação acelerada da proposta, que beneficiaria inclusive o próprio Bolsonaro, a maioria dos partidos representados na reunião com Motta na noite da quarta-feira (23) concordou em adiar a análise. O argumento do presidente da Câmara é de que o texto precisa ser “aperfeiçoado” antes de ir ao plenário, e que há outras pautas mais urgentes para a população, como economia, saúde e segurança. A estratégia tem o respaldo direto do Palácio do Planalto: antes da reunião, Motta havia participado de um jantar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e líderes das siglas aliadas, consolidando uma articulação política que visa evitar uma anistia ampla e irrestrita aos golpistas.
Internamente, Hugo Motta já vinha promovendo conversas com líderes do centro político para construir um caminho alternativo. A proposta é evitar uma ruptura institucional e oferecer uma solução que suavize algumas penas, mas que mantenha punições para quem destruiu patrimônio público ou incitou o rompimento democrático. Ele chegou a sugerir que o próprio Bolsonaro apresentasse um novo texto, mais enxuto, que modulasse as penas sem promover um perdão total, mas até o momento não houve nova versão protocolada.
A reunião do colégio de líderes marcada para esta quinta-feira (24) será crucial para definir os rumos da proposta. O PL, por sua vez, pressiona publicamente: o líder da bancada na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), ameaçou romper com Motta e obstruir a distribuição de emendas parlamentares se o requerimento de urgência não for votado. A tensão entre os grupos reflete a divisão sobre o escopo da anistia, cujo parecer atual — elaborado por Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), aliado de Bolsonaro — inclui todos os que participaram de manifestações com motivação política desde o segundo turno da eleição de 2022, inclusive financiadores e organizadores dos atos.
A amplitude do texto preocupa juristas e parlamentares, tanto por seu alcance quanto pela possibilidade de beneficiar o próprio ex-presidente, réu no STF por tentativa de golpe de Estado. A expectativa de Motta e seus aliados é que, enquanto se adia a votação, o Supremo avance na aplicação de penas mais brandas ou conceda prisão domiciliar a condenados com esse direito, reduzindo assim o apelo político da proposta de anistia. A movimentação reforça o isolamento do bolsonarismo dentro da Câmara, mesmo diante de uma bancada numerosa, e reposiciona o debate sobre os limites da impunidade em crimes contra a democracia.
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