sábado, 24 de maio de 2025

AMUPE E ALEPE SE ESTRANHAM PUBLICAMENTE

Clima de guerra institucional: Alepe e Amupe entram em rota de colisão por isenções no IPVA e expõem racha político em Pernambuco
O cenário político de Pernambuco foi tomado por um embate inusitado e revelador nesta semana: de um lado, a Assembleia Legislativa do Estado (Alepe), que tem protagonizado a tramitação de projetos de lei prevendo isenções no IPVA; do outro, a Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), entidade que representa os 184 municípios pernambucanos e que lançou um duro alerta sobre os possíveis impactos financeiros dessas medidas nas receitas municipais. O que deveria ser um debate técnico acabou se transformando em um conflito institucional carregado de acusações, insinuações políticas e um tom beligerante que escancarou tensões latentes entre o Legislativo estadual e os prefeitos do interior.

Tudo começou com uma nota da Amupe à imprensa, na qual a entidade manifestou “profunda preocupação” com os projetos de isenção do IPVA em tramitação na Alepe. De acordo com estimativas apresentadas pela Associação, as propostas, caso aprovadas, podem retirar mais de R\$ 500 milhões anuais dos cofres municipais, comprometendo seriamente a prestação de serviços essenciais, como saúde, educação, assistência social e infraestrutura. O argumento da Amupe é direto: a renúncia de receita não vem acompanhada de fontes compensatórias e, portanto, representa uma ameaça concreta à sustentabilidade fiscal dos municípios.

A resposta da Alepe não demorou e veio em tom agressivo. Em nota oficial, o Legislativo não só rejeitou as preocupações levantadas pela Amupe como acusou o presidente da entidade, Marcelo Gouveia, de agir em nome do Governo do Estado e não dos prefeitos. “Ficou claro que o senhor Marcelo Gouveia está fazendo o jogo político do Palácio e não dos municípios, como deveria ser o papel de um representante das prefeituras”, declarou a Assembleia, em ataque frontal ao presidente da Amupe, que também é prefeito de Paudalho.

Mas a nota da Alepe foi além. O texto lembrou que a Casa aprovou, recentemente, um projeto que obriga o Governo do Estado a transferir R\$ 756 milhões para os municípios, divididos em partes iguais, e criticou a ausência de Marcelo Gouveia nas discussões sobre a proposta, mesmo tendo sido convidado a participar. “Se o presidente da Amupe fizesse o dever de casa antes de sair por aí usando uma instituição séria para fazer o jogo do Palácio, perceberia que dois dos projetos aos quais ele se refere são de autoria de seu próprio irmão, o deputado estadual Gustavo Gouveia”, disparou a Assembleia, numa tentativa de apontar contradições e enfraquecer o discurso técnico da Amupe.

A resposta da entidade municipalista veio com firmeza. Reagindo às acusações, a Amupe reafirmou sua legitimidade como representante dos municípios e disse lamentar a “politização de um debate técnico”. A nota assinada por Marcelo Gouveia ressalta que a preocupação com as perdas de arrecadação tem base em dados e análises e que a defesa das finanças municipais é uma causa institucional, não partidária. “O debate sobre a sustentabilidade das finanças públicas deve ser tratado com responsabilidade e diálogo federativo, e não com acusações infundadas”, diz o texto. A Amupe também lembrou que atua em sintonia com a Confederação Nacional de Municípios (CNM), que tem manifestado preocupações semelhantes com outras propostas de renúncia fiscal em tramitação no Congresso Nacional.

O episódio revelou, para além da divergência sobre o IPVA, um conflito político mais profundo. Ao acusar Marcelo Gouveia de estar alinhado ao Palácio do Campo das Princesas — sede do Governo do Estado —, a Alepe deixou claro o ambiente de desconfiança que tem marcado a relação entre o Legislativo e o Executivo estadual. Ao mesmo tempo, ao destacar que parte dos projetos de isenção foram propostos por um deputado que é irmão do presidente da Amupe, a Assembleia também lançou uma espécie de contradição familiar no centro do impasse.

A tensão escancarada entre as duas instituições ocorre em um momento delicado, com prefeitos às vésperas de eleições municipais e com as contas públicas pressionadas pela queda nas transferências federais e o aumento de despesas. A crítica da Amupe é que qualquer nova medida que impacte a arrecadação precisa ser amplamente debatida, com transparência e responsabilidade, e não decidida unilateralmente por um poder sem a participação dos gestores municipais.

Ao fim, o que se vê é um campo de batalha aberto entre os representantes dos municípios e o Legislativo estadual, com direito a troca de farpas públicas, acusações de interesses políticos e um jogo de empurra que coloca em risco o necessário diálogo entre os entes federativos. No meio desse embate, o cidadão pernambucano assiste a uma disputa que, longe de ser apenas técnica, revela um xadrez político complexo e ainda sem desfecho claro.

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