ANÁLISE CRÍTICA | POR EDNEY SOUTO
A brutalidade registrada em apenas 35 segundos contra uma mulher por parte de seu companheiro, Igor Eduardo Pereira Cabral, é mais do que um ato de covardia — é um retrato fiel de um sistema falido. Não é exagero, não é retórica inflamada. É a dura realidade brasileira. E o mais estarrecedor: isso acontece todos os dias, com milhares de mulheres, muitas vezes sem testemunhas, sem câmeras, sem gritos que sejam ouvidos.
Dessa vez, por sorte — e apenas por sorte — a vítima sobreviveu. Mas pagará com cicatrizes físicas e emocionais por um crime que poderia e deveria ter sido evitado. Porque Igor já havia agredido antes? Porque havia sinais? Porque ninguém prestou atenção? Porque o sistema não interveio?
A resposta, infelizmente, está no padrão. E o padrão é de negligência.
UMA SOCIEDADE SURDA E CÚMPLICE
Quando um agressor desfere mais de 60 socos no rosto de uma mulher e justifica como “crise de ciúmes”, a barbárie é dupla: a primeira, contra o corpo da vítima; a segunda, contra a inteligência e dignidade da sociedade. É como se estivéssemos todos anestesiados, assistindo a repetição de um roteiro conhecido, mas sem mudar o final.A cada nova notícia de feminicídio ou tentativa dele, há revolta, há postagens, há manchetes. Mas o que muda, de fato? Os números caem? As leis se fortalecem? A estrutura de proteção avança?
A resposta é não. E isso nos torna cúmplices.
NÃO É UM CASO, É UM SISTEMA
Esse episódio, gravado e compartilhado com indignação nas redes, revela o que milhares de mulheres enfrentam fora das lentes das câmeras: o medo constante, o silêncio forçado, a sensação de desamparo. O Brasil é um dos países com mais casos de violência doméstica no mundo. Não por acaso. Aqui, a mulher denuncia e, muitas vezes, volta para casa por falta de abrigo. Aqui, ela entra na delegacia e encontra plantões desatentos, burocracias desumanas, e até julgamentos velados.E enquanto isso:
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Delegacias da Mulher funcionam em horário comercial.
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Agressores reincidentes seguem à solta.
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Medidas protetivas são desrespeitadas impunemente.
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As campanhas públicas de prevenção são tímidas ou inexistentes.
Não se trata mais de perguntar “como isso aconteceu?”. Mas de dizer, com todas as letras: isso acontece o tempo todo. A única diferença é que, dessa vez, foi filmado.
QUANDO O SILÊNCIO DO ESTADO GRITA MAIS QUE OS SOCO
A atuação do porteiro, que acionou a polícia e impediu o pior, deve ser exaltada. Mas não podemos aceitar que o único escudo entre a vítima e a morte seja o acaso de alguém atento. Isso é tarefa do Estado.
E quando o Estado se cala ou é lento, a omissão mata. Mata aos poucos, com cada mulher que silencia por medo. Mata de vez, quando o socorro chega tarde demais.
EXIGIMOS RESPOSTAS, NÃO COMISSÕES
Não adianta criar grupo de trabalho, fazer audiência pública, soltar nota de repúdio. O que o país precisa é de:-
Prisões preventivas imediatas para agressores com histórico.
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Leis que não apenas existam no papel, mas sejam aplicadas com rigor.
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Políticas públicas que tratem o combate à violência de gênero como prioridade de Estado, não como pauta eleitoral ou de ocasião.
NÃO É "CIÚMES", É TENTATIVA DE FEMINICÍDIO
Classificar a violência como “descontrole emocional” é perpetuar o ciclo de impunidade. É o mesmo que culpar a vítima por provocar. E isso não é admissível.A narrativa precisa mudar: não há justificativa, nem atenuante. Há crime. E precisa haver punição.
CRIMINOSO E COVARDE
O caso de Igor Eduardo é revoltante. Mas o que mais revolta é saber que ele não é exceção — é a regra. E enquanto a sociedade não se indignar diariamente, enquanto o Estado não reagir com força, enquanto a justiça continuar lenta e desigual, mais 35 segundos de terror se repetirão. De novo. E de novo.Não é um caso isolado. É o cotidiano.
E isso, por si só, já deveria ser intolerável.
Edney Souto – Jornalista
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