sexta-feira, 19 de setembro de 2025

A JUSTIÇA É O QUE ESTÁ NA LEI E NÃO O QUE ACHAMOS

Geovani Oliveira
O conceito de justiça é um dos mais complexos da filosofia e do direito. Muitos acreditam que justiça é simplesmente fazer o que se entende como “certo” de acordo com valores pessoais, morais ou religiosos. Entretanto, no âmbito jurídico, a justiça não pode se limitar às percepções individuais. O Estado Democrático de Direito se estrutura justamente para afastar decisões baseadas em achismos ou subjetividades, garantindo segurança jurídica, previsibilidade e igualdade de tratamento para todos.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, estabelece princípios fundamentais como igualdade, legalidade e devido processo legal. Esses princípios não são meras recomendações, mas normas cogentes que vinculam a atuação do Poder Judiciário, do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Assim, quando um juiz profere uma decisão, não deve fazê-lo segundo suas convicções pessoais, mas sim à luz da lei, da Constituição e da jurisprudência consolidada.

Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, afirma que a justiça jurídica está na obediência ao ordenamento normativo vigente. Para ele, a validade de uma norma decorre de sua criação conforme outra norma superior, culminando na Constituição. Portanto, qualquer decisão justa será aquela que respeitar a hierarquia normativa e se alinhar ao ordenamento jurídico em vigor.

Ronald Dworkin, ainda que com visão distinta, também destaca que o direito não pode ser confundido com moralidade pessoal. Para ele, a interpretação das normas deve buscar princípios jurídicos universais, mas sempre dentro de um quadro normativo estabelecido. Em ambos os pensamentos, nota-se que a justiça jurídica não é fruto de opiniões individuais, mas de um sistema organizado.

A própria ideia de Estado de Direito pressupõe que ninguém está acima da lei, e que as decisões jurídicas não podem se basear em impressões subjetivas, sob pena de se instaurar o arbítrio e a insegurança. Imagine se cada juiz, advogado ou cidadão decidisse aplicar sua própria concepção de justiça: teríamos um cenário de caos, com a multiplicidade de “justiças” conflitantes e sem critérios uniformes.

Nesse sentido, é comum que a percepção leiga da justiça seja marcada por expectativas emocionais ou pelo sentimento de equidade imediata, ainda que sem respaldo legal. Muitas pessoas acreditam que a justiça deve sempre coincidir com sua noção pessoal de certo e errado, ignorando que o direito opera dentro de regras previamente estabelecidas e legitimadas democraticamente. Esse desencontro entre o que se espera e o que a lei determina gera frustração e incompreensão acerca das decisões judiciais.

Essa visão equivocada do sistema jurídico decorre, em grande parte, do desconhecimento da função da lei e do papel das instituições. A justiça não é uma construção espontânea baseada em percepções individuais, mas um sistema estruturado para assegurar igualdade e previsibilidade. Desconsiderar a legislação em prol de convicções pessoais fragilizaria o próprio Estado Democrático de Direito, substituindo a segurança jurídica pelo arbítrio.

Assim, a verdadeira justiça no plano jurídico é aquela que se encontra positivada, debatida e aprovada democraticamente no âmbito legislativo e aplicada pelos órgãos competentes segundo o devido processo legal. Trata-se de uma justiça imparcial, objetiva e universal, que, mesmo não correspondendo sempre às convicções pessoais, assegura estabilidade social e respeito aos direitos fundamentais. Portanto, é correto afirmar: a justiça é o que está na lei, e não o que achamos. Não é fácil compreender, mas se faz necessário entender.

*Geovani Oliveira é Advogado, Especialista em Direito Constitucional, natural de Garanhuns, ex-prefeito de Itaquitinga na Mata Norte de Pernambuco.

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